Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, em 19
de junho de 2021
A terceira via derrete
A construção de uma terceira via para concorrer com
Bolsonaro e Lula fica cada vez mais complicada. Sérgio Pardellas para a revista
Crusoé:
Os presidentes de partidos que buscam a chamada terceira via
para a corrida presidencial de 2022 se reuniram em um almoço nesta semana em
Brasília para discutir o plano. O encontro não passou de um esforço para criar
um fato político em meio à escalada de dissabores enfrentados pelo grupo do
final de 2020 para cá. Para além da foto e da renovação das juras de que vão
trabalhar juntos para quebrar a polarização, eles não produziram nenhuma
novidade capaz de alterar o atual cenário. “O número de brasileiros que se
posiciona hoje para uma nova alternativa é maior que o apoio a Lula ou
Bolsonaro. Mas é uma maioria silenciosa, que não faz motociata nem
manifestação. É para esses brasileiros que queremos falar”, disse o presidente
do PSDB, Bruno Araújo, ao lado de dirigentes do DEM, do PV, do Cidadania e do
Podemos, além de representantes do MDB e do Solidariedade.
É cedo para conclusões definitivas, mas o quadro se complica
à medida que os nomes de centro que exibiam alguma musculatura eleitoral vão
saindo do páreo, enquanto Lula e Bolsonaro se consolidam nas pesquisas como os
principais candidatos por absoluta falta de adversários. Hoje, quem tem
engulhos só de ouvir falar na possibilidade de a dupla chegar ao segundo turno
simplesmente não tem em quem votar.
Não são poucos os obstáculos para busca de um consenso. O
principal deles é que não há, hoje, um nome em condições de uni-los. O ex-juiz
Sergio Moro, vítima do triturador bolsopetista e ódio geral dos fisiológicos e
corruptos, e João Amoêdo, traído pelo próprio partido, o Novo, pularam fora.
Luciano Huck preferiu o “domingão” na TV Globo a mergulhar no caldeirão da
política – para a surpresa de poucos, é bem verdade.
Outra questão a jogar contra a escolha de um aspirante à
Presidência da terceira via é que um dos partidos considerados de centro, o
PSDB, tem alguém que não abre mão de jeito nenhum de ser candidato, o
governador de São Paulo, João Doria, obstinado que está pela cadeira de
presidente da República. O tucano, no entanto, mesmo com o comovente esforço de
aparecer na TV dia sim outro também, para anunciar vacinação, não consegue
alcançar os dois dígitos nas pesquisas de intenção de voto. Ademais, até mesmo
no PSDB, Doria é rejeitado, como mostrou nesta semana a reunião interna que
definiu como serão as prévias da sigla. Ao contrário do que desejava o
governador paulista, os votos dos políticos com mandato terão mais peso do que
os dos filiados, que responderão por somente 25% do colégio eleitoral.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo,
chegou a soprar algumas vezes no ouvido de tucanos que, no lugar de Doria,
preferia como candidato o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, o
senador Tasso Jereissati ou até mesmo Huck. O que sobra a Tasso falta a Leite:
tarimba e experiência no xadrez eleitoral. FHC, porém, em vez de pensar no
futuro, gosta de mover suas peças de olho no retrovisor. Recentemente, o
ex-presidente posou para fotos ao lado de Lula, com direito a saudação de
punhos cerrados. O ex-governador Geraldo Alckmin, outro tucano que torce o bico
para Doria, pretende voltar ao comando do estado mais rico do país, mesmo que
se candidatando por outra legenda — e, assim, também enfraquecer o desafeto que
quer chegar ao Planalto.
Enquanto no espectro político de centro poucos falam a mesma língua, Lula e Bolsonaro se consolidam como os protagonistas da sucessão presidencial, dividindo a atenção do noticiário e pautando costuras políticas. Com a polarização, uma candidatura acaba alimentando a outra. A rejeição a um beneficia o outro. Graças às seguidas barbeiragens de Bolsonaro na condução do país – e, em especial, da pandemia – Lula se dá ao luxo de poder adotar a tática de jogar sem precisar se mexer, e mesmo assim, lucrar politicamente com isso.
Em contrapartida, quase todas as estratégias adotadas até
agora em favor da aliança de terceira via se revelaram infrutíferas. A mais
recente, vendida como a “novidade” do encontro de quarta-feira, foi a de que o
grupo vai trabalhar para atrair o PDT e o PSB. “Será um longo diálogo nos
próximos meses”, diz Bruno Araújo, que já anunciou uma nova rodada de conversas
da turma para daqui a 15 dias. O PDT já tem candidato, Ciro Gomes, e até
marqueteiro, o ex-petista de coração João Santana. Quanto ao PSB, há quem ache
que ele possa ser um “cavalo de Troia” lulista.
Embora pisque para a terceira via, o DEM corre o risco de,
no fim das contas, se lançar nos braços de Jair Bolsonaro. Esse, por sinal, é
um dos problemas para Luiz Henrique Mandetta, ainda filiado ao partido, que
está no jogo graças ao recall como ministro da Saúde – embora também não
apareça bem nas pesquisas de intenção de voto, ele chegou a ostentar 76% de
aprovação durante o combate à pandemia e é, entre os nomes aventados pelo centro,
o que tem maior potencial de crescimento. ACM Neto, presidente do DEM, namora
firme o bolsonarismo. Se entender que esse é um caminho sem volta, Mandetta
terá de trocar de partido caso queira ter alguma chance de ser candidato ao
Planalto em 2022.
Um elemento surpresa na corrida pode ser o PSD de Gilberto
Kassab. Sem fazer muito alarde, o ex-ministro de Dilma Rousseff e de Michel
Temer vai montando um time de considerável peso político. Já filiou o prefeito
do Rio, Eduardo Paes, e flerta com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco –
enquanto a turma da terceira via se reunia nesta semana, os dois almoçavam
juntos em Brasília. Com o plano de formar um “partido de quadros”, e com votos,
Kassab se cacifa, no mínimo, para estar nas principais rodas de conversas para
2022.
Um dos novos pupilos do ex-ministro, Paes almoçou com Lula
há duas semanas na sede da prefeitura do Rio, com direito a filé, salada,
vinhos tinto e branco e sobremesa de chocolate, além de elogios mútuos e aquela
foto clássica de máscara e soquinho de punhos cerrados. Para além do retrato,
há aí um risco real para a terceira via: o de que alguns de seus integrantes,
diante da perspectiva de fracasso da candidatura de centro, passem a aderir a
um dos dois polos que se sobressaem hoje. “Existe, sim, um temor de traição e
de que, no fim das contas, cada um busque o que é melhor para si
eleitoralmente”, diz um dos participantes do almoço em Brasília.
Como falta ainda um ano e quatro meses para a eleição, e
isso em política é uma eternidade, o jogo ainda está em aberto. O problema em
demorar demais para escolher um nome, ou cometer erros em demasia durante o
processo, é a possibilidade de a terceira via acabar em terceiro lugar na
disputa. Ou em quarto.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário