domingo, 27 de janeiro de 2019

Kim Kataguiri, criador do MBL, deputado aos 23

Kim Kataguiri entoa o discurso da austeridade. O fundador do MBL afirmou que, 
como deputado federal, abrirá mão dos auxílios mudança e moradia e doará 20% 
do salário bruto, de quase R$ 34 mil, para instituições 
Foto: Lucas Lacaz Ruiz/Agência O Globo

Publicado originalmente no site da revista ÉPOCA, em 26/01/2019 

Kim Kataguiri, criador do MBL, deputado aos 23 

Às vésperas de assumir uma cadeira na Câmara, Kataguiri diz que esperava “algo melhor” do governo no quesito honestidade

Por Aline Ribeiro

Na véspera de se mudar para Brasília, onde assumirá como segundo deputado federal mais jovem da história, o estudante Kim Kataguiri ensaia o recado que dará ao primeiro integrante do alto escalão do governo com que cruzar nos próximos dias. Será um: “E aí?”. Pausa dramática. Não se trata daquele “e aí” cordial, que demonstra interesse genuíno pelo outro, mas do “e aí” inquisidor, de quem cobra explicações com certa hostilidade. Kataguiri recebeu ÉPOCA na segunda-feira 21, seu último dia de trabalho no escritório do Movimento Brasil Livre (MBL), organização que ajudou a fundar e que acabou por catapultar sua carreira política até o Congresso Nacional. Estava menos preocupado com os preparativos da mudança do que em disparar duras críticas ao clã Bolsonaro, mesmo depois de fazer campanha para o presidente eleito. “Tem tanta besteira acontecendo: é ministro desautorizando Presidente da República, a questão do Flávio (Flávio Bolsonaro, senador eleito e deputado estadual pelo Rio de Janeiro) agora, que é indefensável… Filho do Mourão… Toda semana tem uma coisa nova.”

“Esperava-se algo melhor. Pelo menos no ponto honestidade, pensei que fosse coisa concreta. Pensei que teria bateção de cabeça na questão de articulação política. Ou ainda no que Bolsonaro deixaria ou não o Paulo Guedes fazer, na interlocução com o Congresso… Mas, além desses problemas, ainda tem o mais grave, que é aquele que pensei que não teria problema nenhum.” Kataguiri evita a palavra que tanto combateu nos tempos do PT. Corrupção? “Sim. Não existe justificativa plausível para dizer que (Flávio Bolsonaro) é inocente. Só não falo que é culpado porque vou ser processado e perder.” Está arrependido de ter apoiado Jair Bolsonaro? “Não, porque a alternativa era votar no PT. Mas estou decepcionado.”

Kataguiri disse nunca ter sido grande entusiasta do político Bolsonaro — “pelo histórico dele de votação em relação à corporação militar, por ser contra a reforma da Previdência, por usar o auxílio-moradia” —, mas não mediu esforços nem tempo nas redes sociais para eleger o presidente no segundo turno. Kataguiri não discordou de um item sequer do programa de governo quando Bolsonaro era candidato e, acima de tudo, empenhou-se para que o concorrente Fernando Haddad (PT), discípulo de Luiz Inácio Lula da Silva, não chegasse ao Palácio do Planalto, com ataques para lá de baixos.

Os primeiros dias do novo governo, que prometia passar a limpo a política e extirpar os corruptos de Brasília, não têm sido satisfatórios para apoiadores como Kataguiri. A primeira decepção ocorreu ainda antes da posse, com a revelação das movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio — que somaram R$ 7 milhões em três anos, segundo O Globo. Soube-se, em seguida, que um dos cheques de Queiroz, no valor de R$ 24 mil, foi dado à primeira-dama, Michelle — segundo Jair Bolsonaro, para pagamento de uma dívida. A frustração aumentou quando o filho do presidente, em busca de foro privilegiado, conseguiu suspender as investigações no Supremo Tribunal Federal (STF). E, na terça-feira, soube-se que Flávio Bolsonaro empregou em seu gabinete, até novembro passado, a mãe e a mulher de um policial militar suspeito de comandar uma milícia.

Assim que as suspeitas contra o senador eleito Flávio Bolsonaro vieram à tona, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, acusou a oposição de criar factoides para forçar um “terceiro turno” da eleição. É a mesma estratégia adotada por Dilma Rousseff, em 2015, quando a direita tentou impedi-la de continuar no poder em decorrência das pedaladas fiscais. Naquele ano, Dilma Rousseff afirmou que a defesa de um “terceiro turno” era uma “ruptura da democracia”. Isso não incomoda Kataguiri? Ao usar o mesmo recurso, o PSL de Bolsonaro não se iguala ao PT? “Nesse sentido, é o mesmo discurso. E tem ainda o discurso, que não sai oficialmente do governo, mas da militância, que diz que a culpa é da Globo. Esse é o discurso do Lula. Não tem movimento mais crítico à imprensa do que a gente. Mas uma coisa é criticar uma matéria enviesada ou uma distorção de fatos. Outra é criticar um relatório que não foi a Globo que fez, mas o Coaf”, disse Kataguiri.

Tão logo fizeram seus primeiros posts sobre as acusações que recaem sobre Flávio Bolsonaro, as redes sociais de Kataguiri e do MBL foram inundadas de críticas dos bolsonaristas incondicionais, aqueles fiéis tanto na alegria quanto na tristeza. É o que o Kataguiri chama de “CUT azul”, a versão à direita da Central Única dos Trabalhadores, entidade ligada ao PT. Ele disse que identificou essa ala mais radical de eleitores já desde a campanha, estava preparado para os ataques e que não pretende deixar de fazer críticas ao governo. Seu movimento teve problemas, inclusive, com um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSL-RJ), considerado o cão de guarda do pai. “Ele chama todo mundo que discorda dele de bumbum guloso.” Bumbum guloso? “É. Gay. Chamou a gente inclusive, publicamente, no Twitter. Várias vezes. Não respondemos nada, pelo amor de Deus. Uma baixaria dessas...”, afirmou Kataguiri.

Eleito pelo DEM com 465.310 votos, Kataguiri fala com a mesma pressa com que conduziu sua trajetória até aqui. Quando se empolga a respeito de um tema, adota um tom professoral, com perguntas retóricas a que ele mesmo responde, na sequência. Abusa da palavra “efetivamente”, que repetiu 11 vezes ao longo de uma hora. Não sai do celular nem durante a entrevista. Por mais de um vez, perdeu o rumo da conversa enquanto respondia a mensagens de WhatsApp — e se desculpou sob a justificativa de que estava “apagando um mini-incêndio”. Prestes a completar 23 anos no próximo dia 28, Kataguiri é um dos rostos de uma juventude que, dizendo-se indignada com a corrupção, saiu às ruas a partir de 2015 para pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Mas não só. Na esteira da ascensão mundial da neodireita, o MBL de Kim Kataguiri — ao lado do Vem pra Rua, Nas Ruas, Revoltados On-line e outros movimentos — abriu caminho para que os ideais do liberalismo econômico e de um forte conservadorismo, adormecidos no Brasil durante os mais de 13 anos de governo petista, florescessem.

 “A gente conseguiu traduzir as pautas de direita, principalmente o liberalismo econômico, para o público comum e transformar isso numa força política efetiva. Nossa tese sempre foi: não adianta ter bons quadros de direita se não tem clima de opinião pública favorável. Não adianta ter ótimos dançarinos de funk se está tocando sertanejo, porque os dançarinos vão parecer ridículos. Fizemos um bom trabalho com a música. Um trabalho que hoje favorece lideranças de direita, para que possam efetivamente levantar, falar, e não ser tachados como defensor de tortura”. Para a vitória do Bolsonaro inclusive? “Com certeza, o ambiente contribui.”

O escritório do MBL fica na Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo, e conserva ares de república estudantil. Sacos de pancada para treinar boxe se espalham pelo quintal. Um violão enfeita o canto de uma das salas. Sobre a mesa, dividem o espaço uma lata de Pepsi vazia e uma de tinta spray, óculos de natação, alguns fios soltos, cartões de visitas e livros jogados, além de uma edição especial da revista Forbes, que estampa Kataguiri na capa entre os dez destaques brasileiros abaixo dos 30 anos. As cadeiras estão distribuídas no entorno sem qualquer lógica, e o banheiro não pode ser tomado como exemplo de limpeza. “Não repara na bagunça” foi a primeira frase que Kataguiri disse ao abrir a porta para a reportagem. Logo ficou claro que não era só um chavão para quebrar o gelo.

No prédio ao lado ao escritório, funciona a redação do portal MBL News, uma tentativa do movimento de se afastar da militância e se aproximar do jornalismo, segundo Kataguiri. Ele percorre o galpão, cujo aluguel diz girar em torno de R$ 4 mil, e apresenta a nova diretoria de YouTube (cinco funcionários), o estúdio de TV com a redação (dez a 12 jornalistas) e a divisão de “memeiros” (uns quatro ou cinco). “É um perfil difícil de achar: pessoa viciada em política e que, ao mesmo tempo, entende de design gráfico. É um cara novo, faz porque gosta. Fica suas 12 ou 13 horas por dia fazendo meme. Ele até recebe, mas é mais o suficiente para viver do que efetivamente uma carreira profissional. Está no centro do baixo custo e alta efetividade de nossa comunicação.” Questionado sobre se não é abuso de mão de obra, ele brincou: “É… Se o Ministério Público do Trabalho vier aqui, vai todo mundo preso”. Kataguiri disse que a operação do MBL é financiada com doações de integrantes e com ganhos com a produção de conteúdo para o YouTube e MBL News.

As habilidades mal pagas dos memeiros estão sendo aproveitadas por um dos ministros de Bolsonaro, Paulo Guedes, da Economia. Apresentado a Kataguiri por um dos fundadores do MBL, Guedes é o principal interlocutor do parlamentar de primeira viagem com o governo. “Falo sempre com ele. Falo direto (sem intermediário) no WhatsApp.” Um dos assuntos em comum é a aprovação da reforma da Previdência, principal promessa de Kataguiri para quando estiver no Congresso. Outro é a dificuldade de comunicação de Guedes, que não costuma usar redes sociais. Nos bastidores, os memeiros do MBL transformam os anúncios do ministro em propaganda palatável à juventude.

Quando Guedes sinalizou cortes de verbas da Caixa para times de futebol, virou meme. Assim como quando afirmou que demitirá funcionários por mau desempenho. “Geralmente, o que tenho falado é que as pequenas coisas são as que melhor repercutem nas redes. O fato de ele usar carro próprio tem símbolo maior do que um corte de R$ 30 milhões na Caixa. Esses dias ele quis saber se o negócio dele pagar seu almoço realmente importava. Lógico que importa, pelo amor de Deus. Isso é maravilhoso para a internet.” Além de Guedes, ele disse conversar, com menos frequência, com os ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Tereza Cristina (Agricultura), ambos do DEM; com o ministro Osmar Terra (Cidadania), parlamentar do MDB que conheceu durante o impeachment; além de com Onyx Lorenzoni, o primeiro deputado a abrir as portas de seu gabinete em Brasília para o MBL, quando “todo mundo achava que a gente era um monte de moleque maluco”, nos idos de 2016. Kataguiri e outros 20 parlamentares têm agenda com o ministro Sergio Moro, da Justiça, para falar sobre segurança, no próximo dia 30.

Kataguiri nasceu em Salto, no interior de São Paulo, e foi criado em Indaiatuba. Precoce, saiu da casa dos pais, onde morava com as três irmãs mais velhas, aos 14 anos. Foi para a vizinha Limeira cursar processamento de dados no colégio técnico da Universidade de Campinas (Unicamp). Até os 17 anos, não se interessava por política. Foi um professor de História, que certa vez discursou em sala de aula sobre como o Bolsa Família havia tirado o Brasil da pobreza, que o fez dar o primeiro Google sobre o tema. Fez um vídeo contestando o professor, que viralizou. De lá foi estudar economia na Universidade Federal do ABC, em Santo André. A economia o levou até as conferências sobre as escolas Austríaca e de Chicago, onde conheceu pessoalmente uma galera da internet que pensava como ele.

Em 1º de novembro de 2014, o MBL foi fundado por ele, os irmãos Renan e Alexandre Santos e Frederico Rauh. “É até irônico falar isso agora. Mas foi numa ocasião em que o Grupo Abril foi hostilizado por causa de uma capa da revista Veja, que soltou a delação do Youssef (Alberto Youssef, doleiro da Lava Jato ligado ao PT) . A Juventude do PT foi lá para vandalizar. E a gente saiu em defesa da liberdade de imprensa. Dois anos depois, a Veja soltou matéria falando que a gente era um movimento anti-imprensa e disseminador de notícias falsas”, explicou ele e caiu na risada. Irônico mesmo foi a inspiração para o surgimento do MBL, os partidos de esquerda Podemos, da Espanha, e o Syriza, da Grécia. “Em termos de forma, não é? Não vai me comprometer aí.” Kataguiri abandonou a economia e hoje está no terceiro ano de Direito no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Pediu transferência para Brasília.

Entoando o discurso da austeridade, ele disse que abrirá mão dos auxílios mudança e moradia e doará 20% do salário bruto, de quase R$ 34 mil, para instituições. Na capital federal, vai dividir um apartamento com três assessores, cada um pagando R$ 900. Quer ser lembrado no futuro como alguém que ajudou a aprovar a reforma da Previdência. “Estou indo pronto para apanhar, porque o negócio lá vai ser feio”, disse, ao se despedir.


Texto e imagem reproduzidos do site: epoca.globo.com

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