Publicado originalmente no site do jornal CORREIO BRAZILIENSE,
em 02/08/2020
''Machismo não é monopólio da esquerda nem da direita,'' diz
Tábata Amaral
A astrofísica, cientista política e parlamentar Tábata
Amaral fala sobre mulheres na vida pública, os enfrentamentos com o governo
Bolsonaro e a sua atuação como ativista pela educação
Por Bertha Maakaroun/Estado de Minas
Interrupções, piadas jocosas, ofensas, ameaças, críticas
dirigidas à aparência, mensagens pornográficas, campanhas de difamação pela
internet com sexualização da imagem... Essas são algumas das manifestações
dirigidas a mulheres que conquistam representação na política, o que faz desse
um dos espaços mais violentos contra vozes que se levantam pela igualdade de
gênero. O relato é da astrofísica, cientista política e deputada federal Tábata
Amaral (PDT-SP). ;Quantas vezes fui interrompida na Câmara? Quantas vezes
disseram que não tinha capacidade, que eu era burra, que não deveria estar ali?
Quantas vezes já insinuaram que eu era teleguiada por um homem, que eu não
tinha capacidade para tomar as minhas decisões? O próprio presidente da
República e os seus apoiadores já publicaram vídeos sexualizando imagens
minhas. Essa violência toda não para por aí;, afirma a parlamentar,
considerando que também dentro dos partidos grassa a discriminação.
O machismo não é monopólio nem da esquerda nem da direita, infelizmente está por todo lado, observa a Tábata, que acaba de lançar o livro Nosso lugar: O caminho que me levou à luta por mais mulheres na política (Companhia das Letras). Desde a infância pobre na periferia de São Paulo até a Universidade Harvard, a campanha eleitoral de 2018 para a Câmara dos Deputados ; em que conquistou 264 mil votos, apesar de desacreditada dentro de seu próprio partido ; são passagens abordadas no livro. Em entrevista ao Estado de Minas, a deputada fala sobre participação feminina na vida pública e outros assuntos, como a recente aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
O Fundeb foi aprovado pelos deputados apesar da postura do governo Bolsonaro, que só entrou na discussão na reta final, e depois comemorou a votação como se fosse vitória dele. Politicamente, como foram os esforços para a aprovação?
Começamos essa discussão há um ano e meio, em audiências,
conversas e debates, trazendo a sociedade. O governo nunca participou. Nas
últimas três ou quatro semanas, nos reunimos com integrantes do governo, mas
com uma dificuldade muito grande, porque eles não conheciam a matéria, não dão
a entender que priorizam a pauta da educação. No sábado, o governo apresentou
uma proposta que não combina com um país que tem um problema tão grande na
educação, que é o único caminho para que ele se desenvolva e seja mais
inclusivo. Apresentaram uma proposta que deixaria 820 municípios, inclusive
muitos de Minas Gerais, sem nenhum recurso do Fundeb, que retirava recurso da
educação pública para a assistência social. Era proposta que se mostrou
inconstitucional e, no fim das contas, fazia com que as pessoas tivessem de
escolher entre um projeto de renda básica e um projeto de educação pública
forte. Nós resistimos, a população participou e foi muito bonito ver, porque o
governo logo se deu conta de que não teria os votos para aprovar a sua
proposta. Conquistamos a duras penas o Fundeb permanente, maior, mais
redistributivo, e pela primeira vez com o foco não só na equidade de
financiamento, mas também na qualidade da educação, que é o que mais importa.
O campo da educação parece ter sido eleito pelo governo para uma ;guerra ideológica;. O que é possível esperar para o ensino público nos próximos anos?
O governo olha para o Ministério da Educação e vê uma
oportunidade, um palanque para a sua guerra cultural, para a sua guerra
ideológica: enxerga uma ideologia da qual discorda e quer colocar a ideologia
dele no lugar. Eu e muitas pessoas vemos na educação a única oportunidade para
que nosso país seja mais desenvolvido, justo e ético. Essa transformação não
vai se dar com o MEC ditando ideologias ou atacando determinados grupos. Vai se
dar se o MEC de fato sentar na cadeira um coordenador de políticas educacionais
que diga: ;;Vou auxiliar as redes municipais e estaduais;. E pode fazer isso
principalmente provendo recursos para melhorar os índices de alfabetização,
melhorar a formação e a valorização dos professores, resolver os problemas de
infraestrutura que temos ; como escolas que não têm acesso à água ou à
internet. Isso vai muito além de uma discordância ideológica. É uma
discordância de princípio, é injusto, é errado. Em quais momentos tenho
esperança? Quando a gente vê a mobilização da sociedade, que no ano passado
conseguiu reverter a maioria dos cortes na educação. Quando vemos este ano na
votação do Fundeb.
Muitas mulheres sofrem e denunciam discriminação de gênero em suas trajetórias profissionais. Como tem sido a sua trajetória na Câmara dos Deputados?
Infelizmente, a política é um dos lugares mais violentos
para as mulheres. E digo isso como pessoa que se formou também em astrofísica,
um ambiente predominantemente masculino. Mas na política há tentativa constante
de calar as mulheres. Isso se manifesta em piadas, interrupções, ofensas,
ataques, ameaças. Se compararmos a forma como um deputado e uma deputada são
criticados, é evidente que a forma de criticar a deputada vai mencionar a
aparência, a roupa, seu tom de voz, sua vida pessoal. Quando as pessoas se
sentem no direito de ofender e agredir dessa forma, outros se sentem
autorizados a literalmente ameaçar e enviar mensagens pornográficas. A forma
que encontrei de responder a isso é lutando para haver mais mulheres na
política. Temos um movimento, Vamos Juntas, suprapartidário, e apoiamos nestas
eleições 51 candidatas nas cinco regiões do país, de todo o espectro político,
mulheres brancas, negras, com deficiência, mulheres trans. São elas que me dão
esperança. Mas elas estão sofrendo coisas tão absurdas: ameaças, ataques,
mensagens pornográficas. Isso no Brasil inteiro. Acredito que a cada ano vamos
conquistar mais o espaço da política, mas essa conquista não virá por inércia.
Não virá sem muita luta e muita resistência do outro lado.
Apesar das políticas de cotas desde a década de 1990, ainda assim temos a prática de candidaturas laranjas e o boicote dentro dos partidos para desviar recursos das candidaturas femininas. Como superar essa primeira barreira?
O machismo não é monopólio nem da esquerda nem da direita,
infelizmente está por todo o lado; mas quantos partidos não burlaram essa
regra? A explosão que vimos de suplentes de senador mulheres, candidatas a
vice, candidatas que obtiveram financiamento só para as dobradinhas, que eram
com homens. Então, é importante a mobilização da bancada feminina neste
momento, para que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) dê uma regulamentação
para isso, um direcionamento. Muitas das nossas conquistas históricas,
infelizmente, primeiro avançaram no Judiciário e só depois no Parlamento.
Quando falamos no Parlamento, há dois tipos de projetos apresentados, mas
enfrentamos resistência para pautar: um deles coloca cotas no Parlamento, é a
medida mais eficaz, mais rápida e que tem evidência mais robusta quando olhamos
para outros países. Outro é um projeto de reforma partidária, que pede mais
transparência, mais democracia interna e ética dentro dos partidos políticos. A
luta é grande, mas este ano acho que conseguiremos fazer mais mulheres
vereadoras e prefeitas. Temos hoje só cerca de 10% de representação feminina
entre vereadoras e prefeitas, então temos espaço muito amplo a ser conquistado.
A senhora é frequentemente retratada como uma integrante da bancada Lemann na Câmara dos Deputados. Qual é a sua relação com Jorge Paulo Lemann?
Não apenas em relação ao Jorge Paulo Lemann. Dependendo da
posição no espectro ideológico, vão dizer que sou financiada por fulano ou
sicrano. Quando apoiadores do governo Bolsonaro querem me criticar e dizer que
não estou aqui de uma forma legítima, dizem que sou financiada por George
Soros, pelo comunismo, pelo globalismo que eu sequer sei o que significa
exatamente. O que as pessoas querem dizer é que não é legítimo eu estar neste
lugar, que alguém me colocou aqui. Jorge Paulo Lemann é um empresário, que tem
uma atuação muito bonita por meio da Fundação Lemann, em prol da educação
pública. Ele é ex-aluno de minha faculdade, um dos fundadores da Fundação
Estudar, que me deu ajuda de custo quanto eu estudava em Harvard, mas uma ajuda
que foi devolvida assim que consegui um emprego, quando voltei ao Brasil. E
nenhuma dessas coisas me desabona. Tenho muito orgulho de ter conseguido essa
bolsa da Fundação Estudar e tenho orgulho de ter podido devolver a minha bolsa
na íntegra, pois tenho certeza de que isso vai ajudar outros estudantes. E a
própria fundação tem essa cultura de retribuição. Então, tem de se esforçar
muito para dizer que (sou influenciada) porque uma pessoa criou uma fundação,
que me ajudou durante a faculdade, mesmo que eu tenha devolvido o dinheiro,
mesmo que tenha recebido uma bolsa 100% de Harvard, trabalhado durante todo o
período da faculdade, em posições administrativas e como babá, para me formar.
Nunca recebi uma ligação de um empresário ou pessoa poderosa, para dizer como
eu deveria votar. Este é um dos muitos absurdos que enfrento.
Eleita pelo PDT, a senhora recorreu à Justiça com pedido de desfiliação da legenda. Quando deixar a legenda, em qual partido no espectro ideológico pretende se filiar?
O meu partido se posicionou a favor de reforma da Previdência durante a campanha, apresentou uma proposta de reforma da Previdência que tinha um impacto maior do que aquela que votamos. Mas não conseguiu criar um consenso entre os deputados e, por uma decisão político-eleitoral, decidiu que seria contra a proposta que era votada. Votei de acordo com o que tinha dito que votaria, e de forma coerente com alguém que participou de todo o processo para melhorar o texto o máximo possível. Depois disso, o partido começou uma perseguição absurda contra mim e não contra os demais deputados que também haviam votado. Eu entrei com processo de desfiliação na Justiça faz um ano, ainda aguardo resultado. Eu me considero progressista, quem me acompanha não tem a menor dúvida em relação a quão objetivos são os meus posicionamentos. Mas não estou conversando com nenhum partido, pois não é o momento.
Num eventual cenário em que estejam concorrendo em 2022 Jair Bolsonaro à reeleição, Ciro Gomes, pelo PDT, um candidato do PT, a chapa Mandetta e Moro, João Doria pelo PSDB, Flávio Dino, pelo PCdoB, além da candidatura esperada do Psol, quem apoiaria para a Presidência da República?
A minha visão de mundo é extremamente conflitante com uma
visão autoritária, antidemocrática, e espero fazer parte de uma construção que
não leve à reeleição de Bolsonaro. Não tive a menor dúvida entre Bolsonaro e
Haddad em 2018: soube que o meu voto seria no Haddad, porque me posiciono pela
democracia, pelos direitos humanos, pela educação. Então, tenho certeza de que
serão essas visões que irão guiar o meu voto. Mas acredito que essa é uma das
coisas que mais atrapalham a nossa política. Estamos a dois anos das eleições,
o que não faltam são problemas para resolver, aprofundados pela crise
sanitária, e as pessoas gastam energia falando sobre uma questão que está tão
distante. O que sei é que os princípios que me guiaram até aqui são os mesmos
que vão me guiar nos próximos anos.
Texto e imagem reproduzidos do site: correiobraziliense.com.br
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