Artigo e comentários compartilhados do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 28/11/2024
> Editorial do Estadão: Bolsonaro nu
O relatório final da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe de Estado que teria sido urdida no seio do governo de Jair Bolsonaro para aferrá-lo ao poder decerto não surpreendeu quem acompanhou minimamente a vida pública do ex-presidente. Desde quando saiu do Exército em desonra, passando por uma frívola carreira parlamentar – que, se prestou para alguma coisa, foi para enriquecê-lo, além de sua família – até chegar à Presidência da República, Bolsonaro jamais traiu seu espírito golpista. De mau militar e mau deputado a mau presidente, foram quase 40 anos de exploração da insurreição e da infâmia como ativos políticos.
Este jornal, seguramente, não está surpreso com o que veio a público após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), levantar o sigilo sobre o referido relatório. Afinal, faz quase 25 anos que já sublinhávamos nesta página o vezo parasitário de Bolsonaro no Brasil pós-redemocratização, chamando-o pelo que é: um desqualificado que se serve das mesmas liberdades democráticas que sempre quis obliterar (ver o editorial Dejetos da democracia, 8/1/2000).
A rigor, ninguém precisava de um relatório policial de mais de 800 páginas para saber que Bolsonaro é um golpista inveterado. Quem já votou nele ao longo da vida pode alegar tudo, menos desconhecimento de sua índole destrutiva. Mas, para quem quiser, aí está o portentoso material reunido pela PF a encadear fatos e personagens com notável robustez, além de desnudar o espírito insurreto que jamais deixou de guiar o ex-presidente ao longo de sua trajetória.
Segundo a PF, Bolsonaro “planejou, atuou e teve domínio de forma direta e efetiva” das tramoias para impedir a posse do presidente Lula da Silva, o que teria incluído até um suposto plano para assassiná-lo, entre outras autoridades. E não só entre novembro e dezembro de 2022, mas durante todo o mandato – que, recorde-se, começou com a disseminação de mentiras sobre a suposta “fragilidade” das urnas eletrônicas. Ainda de acordo com a PF, essa desabrida campanha de desqualificação do sistema eleitoral já era parte do plano golpista de Bolsonaro para se insurgir contra um resultado nas urnas que não fosse a sua reeleição, contando que a desconfiança que semeou entre milhões de brasileiros poderia lhe ser útil no futuro.
É fundamental frisar que ainda se está em fase de inquérito policial. De modo que o contraditório e a ampla defesa só estarão plenamente garantidos aos 37 indiciados, como é próprio do Estado Democrático de Direito, mais à frente, vale dizer, se e quando a Procuradoria-Geral da República (i) oferecer denúncia contra eles, (ii) as acusações forem aceitas pelo STF e (iii) o caso, então, entrar na fase judicial propriamente dita. Entretanto, as eventuais provas que poderão ser apresentadas à Justiça pelo parquet, obviamente, serão decisivas apenas, por assim dizer, para o destino penal de Bolsonaro. Já sobre seu golpismo não há prova mais cabal de que se trata de um inimigo figadal da democracia do que seu próprio passado.
Nesse sentido, é estarrecedor ainda haver no seio de uma sociedade que se pretende livre e democrática quem admita a presença de alguém como Bolsonaro na vida política. Ou pior, que enxergue como “democrata”, “patriota”, “vítima do sistema” ou baboseira que o valha um sujeito de quinta categoria que já defendeu o fechamento do Congresso, lamentou o “baixo número” de concidadãos torturados e mortos nos porões da ditadura militar, pregou o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso e trata adversários políticos como inimigos a serem eliminados, inclusive fisicamente. Ademais, Bolsonaro jamais desestimulou as manifestações de teor golpista realizadas em seu nome, como os acampamentos na frente de quartéis País afora. Tudo indica que não o fez para falsear um “clamor popular” pelo golpe e, assim, pressionar as Forças Armadas a apoiá-lo na intentona – o que, para o bem do Brasil, não ocorreu.
A Justiça, primeiro, e a História, depois, hão de ser implacáveis com Bolsonaro e todos os que flertaram com a destruição da democracia no Brasil.
> COMENTÁRIOS
AHTquinta-feira, novembro 28, 2024
Ao ler o editorial do Estadão intitulado “Bolsonaro nu”, me deparei com a citação de outro editorial, publicado em 08 de janeiro de 2000, na página 3 do O Estado de S. Paulo.
No acervo do Estadão, localizei esse editorial, fiz o download da página (arquivo PDF) e tentei convertê-la para o Word. No entanto, o resultado não atendeu às minhas expectativas. Então, decidi copiar o conteúdo, digitando diretamente no Word. Vide, a seguir:
AHTquinta-feira, novembro 28, 2024
>> Dejetos da Democracia
Há quem diga, com o maior sarcasmo, que o deputado federal e capitão da reserva Jair Bolsonaro presta um relevante serviço à Democracia, porque faz lembrar os piores temos em que os militares estavam no poder – exercendo, sob este aspecto, um papel didático para as novas gerações.
Sarcasmos à parte, os militares brasileiros não merecem essa desmoralizante “representação” congressual. Até porque esse irresponsável congressista, de fato, não representa ninguém, a não ser, talvez, alguns adeptos de um folclórico e anacrônico radicalismo de direita. É claro, que ele, jamais poderá falar pelos militares, o que não o impede confundir os desavisados e dar a impressão de que exerce, no Parlamento esse tipo de representação.
Ao apregoar, pela segunda vez (na primeira referiu-se ao que os militares “deveriam ter feito” com Fernando Henrique Cardoso) nada menos do que o fuzilamento do presidente da República, o sr. Bolsonaro apenas se mostrou coerente, em relação ao fulcro de sua carreira política, que, de forma inacreditável, o faz exercer o segundo mandato no Parlamento federal.
Talvez muitos não se recordem de que esse cidadão se tornou publicamente conhecido quando divulgou seu plano de explodir o sistema de abastecimento de água do Rio de Janeiro, em protesto contra a falta de reajuste nos ganhos de seus colegas militares.
Se a proposta de fuzilamento do presidente da República não é um casso de absoluta falta de decoro parlamentar, é difícil imaginar o que o seja. Disse bem o líder do PT na Câmara, deputado José Genoíno: “Direito de opinião não pode ser usado para pregar assassinato.”
Neste sentido é mais do que oportuna uma punição drástica para quem não só ultrapassa, reiteradamente, os limites do decoro parlamentar, como revela personalidade – seja ou não psicopática – de toda incompatível com a representação legislativa, a ponto de já ter defendido sem nenhuma sutileza, o fechamento puro e simples do Congresso. Vale dizer, Bolsonaro é um parlamentar que tem se valido das liberdades democráticas para tentar eliminá-las.
(Em destaque, em quadro entre parágrafos: O deputado Jair Bolsonaro usa a democracia que quer destruir)
Agora, se a punição decidida for a mera suspensão do mandato do sr. Bolsonaro, mesmo que por longo período, a Câmara dos Deputados estará fazendo, exatamente, o que mais deseja esse elemento, que busca consolidar sua imagem de “herói” e “vítima” incompreendida, defensor destemido dos valores da caserna.
É evidente que os militares deveriam ser os maiores interessados na cassação de quem, até agora, só desmoralizou suas reivindicações. Mas é o Legislativo federal que deve cuidar da própria imagem, que depende do comportamento de seus membros.
Então, a única solução é cassar logo o mandato desse deputado por manifesta e notória quebra de decoro, afastando-o da vida política para a qual não está preparado.
Ao contrário dos regimes autoritários, as democracias se caracterizam pela plena liberdade de expressão e heterogeneidade, praticamente sem limites, da representação parlamentar. Essa liberdade e essa heterogeneidade fazem com que, muitas vezes, se tenha de tolerar, em nome da Democracia, atitudes abusivas, se não absurdas.
Não se considere, porém, que a Casa Legislativa de uma democracia deva ser tolerante, obrigada a dar abrigo, a quem apregoa a extrema intolerância. Figuras dessa espécie, que envergonham a instituição parlamentar, em qualquer lugar do mundo, dela tem que ser expelidas num processo natural de limpeza, pois a Democracia também tem que saber administrar, com tranquilidade, o escoamento de seus dejetos.
AHTquinta-feira, novembro 28, 2024 1:59:00 PM
>>> Correção (digitação), nesses dois parágrafos:
Há quem diga, com o maior sarcasmo, que o deputado federal e capitão da reserva Jair Bolsonaro presta um relevante serviço à Democracia, porque faz lembrar os piores tempos em que os militares estavam no poder – exercendo, sob este aspecto, um papel didático para as novas gerações.
Se a proposta de fuzilamento do presidente da República não é um caso de absoluta falta de decoro parlamentar, é difícil imaginar o que o seja. Disse bem o líder do PT na Câmara, deputado José Genoíno: “Direito de opinião não pode ser usado para pregar assassinato.”
Texto de artigo e comentários reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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