Charge de Laerte, postada por "Ideias & Lideranças", para simples ilustração do texto.
Texto publicado originalmente no site do JORNAL DO BRASIL, em 24 de novembro de 2024
Punhal verde amarelo com DNA do nazismo
Coluna Coisas da Política, de Gilberto Menezes Cortês - gilberto.cortes@jb.com.br
Virou um clássico o vaticínio de Karl Marx de que a história só se repete como farsa. Semana passada escrevi aqui que o grotesco autoextermínio de “Tiü França” com explosivos em plena Praça dos Três Poderes, em frente ao STF, onde pretendia se autoexplodir se alcançasse o plenário, ao detonar um arsenal de bombas que acabou por explodir a PEC que visava anistiar os já condenados pelas invasões e depredações das sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023 (e em última instância, abrir caminho para a revisão da inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro por oito anos), lembrava o impacto da explosão da bomba no RioCentro. A bomba explodiu no colo do sargento do Exército Guilherme do Rosário, no Puma do tenente Wilson Dias Machado, que saiu gravemente ferido, na noite que antecedia o 1º de maio de 1981, com show de música popular promovido pelo Cebrade (Centro Brasil Democrático), no governo do general João Figueiredo, o último do regime militar.
Pois os fatos dessa semana, com as revelações da descoberta, pela Polícia Federal, da Operação “Punhal Verde Amarelo”, uma conspiração que estava em execução em dezembro de 2022, menos de 45 dias após a derrota de Jair Bolsonaro por Lula, por um grupo de militares (um general, um coronel, dois majores e um tenente coronel, além de um policial federal), que pretendia sequestrar e matar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de Moraes, na data de 12 de dezembro, quando o também ministro do Supremo Tribunal Federal, daria posse a Lula e ao vice Geraldo Alckimin, que também seriam sequestrados e mortos, abrindo espaço para intervenção federal no TSE, assumem maior gravidade. Diante da acefalia de poder, seriam convocadas novas eleições por uma junta militar interina a ser comandada pelos generais Augusto Heleno (do Gabinete de Segurança Institucional) e Braga Neto, vice na chapa de Bolsonaro e ex-ministro da Casa Civil e da Defesa. A gravidade dos fatos levou ao indiciamento, pela Polícia Federal, de 37 pessoas, numa lista liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Também estarrecido, meu amigo Ricardo Noblat exclamou sexta-feira, no site “Metrópoles”, em seu blog: “A ditadura de 64 acabou depois de 21 anos, mas o golpismo que fazia parte do DNA dos militares continua a circular nas veias dos que um dia expulsaram Bolsonaro do Exército por má conduta”. Bolsonaro, um tenente insubordinado contumaz, e que se opunha a acatar a “distensão lenta, gradual e segura” do governo do general Ernesto Geisel, visando a redemocratização concluída no governo do general Figueiredo, foi forçado a passar à reserva como capitão, após críticas a seus superiores e ser apanhado com desenho detalhando como explodir a adutora do Guandu, que deixaria o Grande Rio sem água por vários dias. Geisel o classificava como “um mau soldado”. Pois chega a ser um ato falho, explicado por psicanalistas, a fala do filho 01, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) de que “planejar ou pensar em matar alguém não é crime”. O Exército não pensou assim e excluiu o tenente Jair Messias Bolsonaro. Quase 40 anos depois, o filho 03, deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), ainda ecoou as falas do irmão.
Na falta de argumento diante do ”batom encontrado na cueca”, chama atenção a escolha do nome da operação golpista que poderia prolongar o governo (?) de Bolsonaro, que parece ter sido inspirada na “Noite dos Longos Punhais”, o assalto de 30 de junho de 1934, há 90 anos, quando o nazismo fez um expurgo e virou um “rebanho” único, a mais feroz e cruel ditadura da humanidade de todos os tempos, chefiada por Adolf Hitler e seguida cegamente pelos nazistas alemães até a explosão da Segunda Guerra, de 1939 a 1945.
Na “Noite dos Longos Punhais”, Hitler e os asseclas Herman Göring, Henrich Himmler e Reinhard Heydrich, os chefões do partido, queriam acabar com os milicianos nazistas, os Sturmabteilung, organização paramilitar nazista conhecida como AS, ou Tropa de Assalto, de grande importância no período de ascensão nazista ao poder em 1933, sob o comando de Ernst Röhm. No assalto, enquanto aqui se usariam os “kids pretos”, força de elite do Exército, na Alemanha foram usadas diversas forças repressivas do regime (a SS, a Gestapo e a polícia secreta de Göring), embasadas em uma série de ações extrajudiciais, decretadas e executadas. Houve um massacre cruel, com centenas de mortes e prisões. Capturado Röhm, Hitler o entregou um revólver, dando-lhe dez minutos para pôr fim à própria vida. Röhm disse que caberia ao próprio Führer executá-lo. Hitler saiu e ordenou a um oficial que o fizesse.
Para rir ou para chorar
Depois das barbaridades que viriam à tona, alterno minha indignação com certa ironia diante da ginástica (dialética não cabe no caso) farsesca como os aliados e entusiastas de Jair Bolsonaro tentam minimizar o gravíssimo atentado ao Estado Democrático de Direito, que só não aconteceu em dezembro de 2022, com um final funesto, porque a sessão do STF, onde também atuava Alexandre de Moraes (o comando do TSE cabe, em sistema de rodízio, a ministros do STF – no momento a presidência é da ministra Carmen Lúcia – com o vice também do STF e ministros do Superior Tribunal de Justiça), demorou além do tempo.
Os passos de Moraes estavam sendo vigiados há semanas, e o executor da tarefa, preocupado em não encontrar táxi perto da casa de Moraes, onde seria executado o sequestro, recebeu ordem de “abortar a ação”. Os fatos mostraram que Bolsonaro sabia e autorizara a trama – mas os comandantes do Exército, general Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Junior, reagiram à proposta de golpe, e Freire Gomes ainda ameaçou prender Bolsonaro. Cabe notar que o seu vice de chapa, o general Braga Neto, incitava os executores e conclamava os apoiadores de Bolsonaro nas tropas, os acampados diante dos quartéis e as redes sociais a investirem contra os comandantes do Exército, chamando-o de “cagão”, e o da Aeronáutica.
Vejam as declarações desta sexta-feira do vice-presidente de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, eleito senador pelo (PL-RS):
“Temos um grupo de militares, pequeno, maioria militares da reserva” [na época, muitos estavam na ativa e comandavam forças especiais] “que, em tese, montou um plano, sem pé nem cabeça. Não consigo nem imaginar como uma tentativa de golpe. Importante que as pessoas compreendam que uma tentativa de golpe precisa ter apoio de parcela expressiva da Força Armada” [Mourão não pode ignorar a reação firme dos comandantes do Exército e Aeronáutica]. “Ninguém dá golpe no país sem ter a Força Armada, nem que seja para proteger uma mudança constitucional”. E ainda emendou que "não houve deslocamento de tropa" [a PF descobriu que o plano previa deslocamento de tropas do Rio para Brasília] e classifica o plano como "um troço absurdo", uma vez que os militares "teriam armas, mas iriam executar o presidente e vice por envenenamento".
“Vejo uma fanfarronada”, prossegue Mourão. “E a partir daí, dentro de uma busca incessante de envolver o presidente Bolsonaro, o general Braga Netto, o general Heleno, que você conhece tão bem” [sim, é verdade, Heleno era ajudante de ordens na tentativa de golpe do então ministro do Exército, general Sylvio Frota contra o presidente, general Ernesto Geisel, em 12 de outubro de 1977. Frota queria derrubar Geisel por não concordar com o plano de abertura política e foi demitido por Geisel] “e que é um homem que não toma atitudes dessa natureza. Arma-se esse cenário todo, joga um pó de pirlimpimpim e shazam: saem 37 pessoas desse pacote indiciadas”.
Depois de ficar recluso desde a semana passada, o ex-presidente Jair Bolsonaro tenta agora tirar o ministro Alexandre Moraes do comando do inquérito do STF, porque era também ameaçado, como presidente do TSE, afirmando: “O ministro Alexandre de Moraes conduz todo o inquérito [estendido ao 8 de janeiro de 2023], ajusta depoimentos, prende sem denúncia, faz pesca probatória e tem uma assessoria bastante criativa. Faz tudo o que não diz a lei”, atacou Bolsonaro.
Mas o decano, do STF, o ministro mais antigo da Suprema Corte (embora não seja o mais velho), Gilmar Mendes, foi curto e sucinto ao abordar o plano de assassinato de autoridades revelado pela Polícia Federal (PF), durante evento esta semana, em São Paulo: “Qualquer tentativa de atentado contra o Estado de Direito já configura um crime consumado”.
O indiciamento dos acusados pela PF precisa passar pelo crivo da Procuradoria Geral da República, que atuaria como promotor no caso para o julgamento dos eventuais réus pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento na 1ª turma do STF, integrada por Moraes, Carmen Lúcia, Cristiano Zanin, Luiz Fux e Flávio Dino, uma turma durona].
O calendário apertado, com o recesso do Poder Judiciário, de 18 de dezembro até meados de janeiro, adia o indiciamento pela PGR para o começo de 2025. Ou seja, muitos dos implicados correm o risco de passar o Natal e o Ano Novo detidos, por medidas preventivas, enquanto se desenvolvem novas diligências e interrogatórios dos “kids pretos”, como o do tenente-coronel Rodrigo Bezerra Azevedo, que será ouvido nesta semana pela Polícia Federal.
Texto reproduzido do site: www jb com br
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