Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 31 de dezembro de 2024
Inferno islâmico: Ongs terão que demitir mulheres no Afeganistão.
Nova onda repressiva atinge os pouquíssimos lugares onde mulheres ainda podiam trabalhar; são proibidas até janelas para “proteger” a castidade. Vilma Gryzinski:
O Afeganistão contribuiu com duas palavras para o vocabulário mundial. Elas praticamente resumem o que é o país. Uma é talibã, significando originalmente estudante (dos textos muçulmanos), mas transformada em sinônimo de radical que faz qualquer loucura. São eles hoje que voltaram ao poder e apertaram ainda mais os controles, como o uso da burka – a segunda palavra popularizada pelo país, usada para definir a mais severa forma de vestimenta islâmica para mulher, cobrindo inteiramente o corpo, a cabeça e o rosto, com apenas uma redinha à altura dos olhos. A mais recente medida de opressão quase além da imaginação foi a ordem para que as Ongs, nacionais ou estrangeiras, demitam imediatamente funcionárias mulheres.
Em geral, são mulheres que trabalham como parteiras ou em outras formas de atendimento de saúde, extremamente dificultadas já que é obrigatória a presença de um membro da família caso um médico homem atenda as pacientes. É mais uma iniciativa brutal para apagar a presença feminina da vida pública, como exige a interpretação ultrafundamentalista do Corão e de seus intérpretes.
A obsessão por esconder as mulheres é tanta que foi proibido construir janelas que dão vista para áreas onde elas são confinadas. “Ver mulheres trabalhando nas cozinhas, nos pátios ou tirando água de um poço pode gerar atos obscenos”, disse o porta-voz do regime que voltou ao poder com a vergonhosa retirada americana, em 2021. Casas e prédios que tenham janelas assim terão que obstruí-las.
As mulheres já não podem cursar além do ensino fundamental, trabalhar fora de casa, frequentar parques e até deixar que suas vozes sejam ouvidas em público, mesmo que estejam dizendo trechos do Corão. Além da interpretação religiosa, a extrema opressão tem raízes tribais, quase iguais às da época do profeta Maomé, no século VII.
DECLARAÇÃO POLÍTICA
Quando houve o renascimento do fundamentalismo muçulmano, no século XX, o uso do véu na cabeça virou uma declaração política, não uma prática que as mulheres pudessem escolher livremente. Em muitos países muçulmanos, houve um retrocesso: o véu voltou a ser socialmente imposto.
Um exemplo ao vivo de como isso acontece poderá ser visto na Síria. Nas áreas sob controle de rebeldes, que agora viraram governo, o hijab já é obrigatório. Com todos os horríveis defeitos de uma ditadura brutal, o regime derrubado de Bashar Assad promovia uma versão modernizada da religião muçulmana e seitas a ela ligadas. As mulheres cristãs, obviamente, não tinham que cobrir a cabeça.
Isso muito provavelmente não vai durar agora que fundamentalistas sunitas tomaram o poder.
Na versão xiita, a obsessão com cabelos femininos é a mesma. No Irã, é obrigatório usar o chador – véu na cabeça e um manto ou casaco comprido que disfarce as formas do corpo.
Temporariamente, foi suspensa uma lei que tornava mais rígido ainda o uso do chador. O regime iraniano está numa fase em que não pode se permitir novas ondas de protesto pela repressão às mulheres. “Perdeu” a Síria, depois de investir muito dinheiro e prestígio na proteção ao regime Assad. Viu a decapitação de seus apaniguados no Líbano, o Hezbollah. E sentiu em seu próprio território o peso da retaliação israelense, que destruiu seus sistemas de defesa antiaérea.
SHOW VIRTUAL
Mas é garantido que, quando a situação estiver mais estabilizada, retomará a aplicação da nova lei, com penas de até quinze anos de prisão e detalhes perversos, como exigir que empregadores e até pessoas comuns denunciem desvios no uso do chador.
Controlar a maneira como as mulheres se vestem ficou mais difícil com as redes sociais, com a multiplicação infinita de imagens. Mas isso não impediu a prisão, na semana passada, da cantora Parastoo Ahmadi por ter transmitido um show virtual sem usar o pano na cabeça.
No Afeganistão, sem nenhum tipo de oposição interna, pelo menos com força suficiente para intimidar o regime, os talibãs continuarão a terrível opressão que praticam em nome da defesa da “castidade”. É como se as mulheres estivessem sendo apagadas da vida, eliminando até o seu direito de falar.
Uma crueldade coletiva como poucas vezes aconteceu antes na história da humanidade, ocorrendo agora no começo do ano final do primeiro quarto do século XXI, bem diante de nossos olhos impotentes.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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