terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

"Por Uma Política de Incerteza", por Fernando Gabeira


Artigo compartilhado do site do GABEIRA, de 10 de fevereiro de 2025 

Por Uma Política de Incerteza.
Por Fernando Gabeira (In Blog)

Estou lendo um livro que estimula a imaginação. Chama-se “O cogumelo no fim do mundo: sobre a possibilidade de vida nas ruínas do capitalismo”. Sua autora é Anna Tsing, e é um trabalho sério de pesquisa coletiva. Algumas conclusões, portanto, não podem ser atribuídas ao livro, mas a meu exercício de imaginar.

Matsutake é o nome de um cogumelo aromático muito valorizado no Japão. Ele sobrevive em áreas devastadas pela indústria madeireira, como no Oregon, e reapareceu em Hiroshima depois da explosão atômica. Esse crescimento inesperado em áreas devastadas faz do matsutake uma inspiração para repensar a política de nossos tempos, marcados pela incerteza: mudanças climáticas, ascensão de Trump, precariedade do trabalho.

Os políticos continuam falando em emprego, estabilidade e progresso. Mas a realidade é de pessoas se virando para sobreviver em situação difícil, que costumam chamar de “o corre”.

No meio do século passado, alguns intelectuais reclamavam da estabilidade, como se fosse uma espécie de prisão. Alguns tinham uma perspectiva revolucionária. Não deixava de ser uma grande certeza sobre o futuro.

Observando a experiência dos catadores de matsutake, vemos como exploram as ruínas e a incerteza. Não deixa de ser também um grande aprendizado ecológico. A indústria explora um produto e, quando o esgota, vai embora deixando todo o resto para trás. Esse resto, na verdade, são vidas que, combinadas com a atividade humana, podem contribuir para uma sobrevivência coletiva.

Essa constatação não significa deixar de lutar para manter a floresta em pé. Mas abre uma grande possibilidade para aproveitar o que ficou para trás, buscar novas associações entre espécies, inventar novos caminhos.

Com essas duas ideias, creio que já poderia iniciar um diálogo em torno de uma nova política. Os partidos tradicionais pensam em crescimento, progresso e estabilidade. Relacionam-se com os trabalhadores precários prometendo emprego fixo. Acham que eles recusam porque estão envenenados pela ideia de empreendimento, de ser seus próprios patrões.

Pode ser que recusem simplesmente porque não acreditam que o sistema ofereça saída estável e que a precariedade seja a melhor forma de sobreviver. Seria preciso um partido do corre, que estudasse sua condição e oferecesse alternativas dentro da incerteza.

Da mesma forma, será necessário um trabalho amplo na área devastada no Brasil, para estudar o que restou, que possibilidade de arranjos produtivos essas formas de vida combinadas podem oferecer. Está cada vez mais difícil acreditar num progresso inclusivo. A tendência é acentuar as diferenças, no impacto da revolução digital. Por mais que se lute contra a destruição ambiental, estaremos sempre diante de terras devastadas, deixadas para trás pela indústria madeireira, pela mineração ou mesmo pela agricultura.

Pensar uma política da incerteza voltada, na economia, para os trabalhadores precários e, na ecologia, para as ruínas do capitalismo talvez seja um caminho realista. De qualquer forma, o livro de Anna Tsing descortina horizontes. Outras ideias podem brotar daí, e isso já é uma grande qualidade de “O cogumelo no fim do mundo”.

O discurso político clássico não pode deixar de prometer crescimento, progresso e estabilidade. Mas pode chegar um tempo em que essas palavras já não façam mais sentido para a maioria da população.

O interessante no trabalho de Anna Tsing é que ela — ao destacar formas de vida que sobrevivem ao capitalismo e suas combinações — não vê um tipo de futuro único, numa só direção:

— Como partículas virtuais num campo quântico, múltiplos futuros espoucam dentro e fora da possibilidade, e a terceira natureza (o que consegue sobreviver ao capitalismo) emerge dentro dessa polifonia temporal.

O progresso condiciona nossa forma de ver o mundo. Emaranhados de vida que sobrevivem à fúria industrial abrem pelo menos uma nova e interessante maneira de olhar para a frente.

Texto e imagem reproduzidos do site: gabeira com br/blog

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