A Saga do Cinema Brasileiro
Por Fernando Gabeira (In Blog)
O sucesso de “Ainda estou aqui” foi um grande momento: festa na mídia, nas redes e até no carnaval. Agora, vale a pena perguntar como encaramos o filme. Um relâmpago em céu azul ou sinal de maturação do nosso cinema? Se optarmos pela segunda hipótese, é necessário ir adiante: o que fazer para explorar a oportunidade aberta pelo Oscar? Não creio que o tema tenha entrado na pauta.
O Oscar tem sido o critério com que julgamos nossos êxitos. Mas o cinema brasileiro, há muitos anos, tem excelente desempenho nos festivais europeus. A importância de um bom cinema é indiscutível. Ele fortalece nossa identidade, projeta nossa cultura e até ajuda nossos produtos. O domínio cultural americano surgiu também na esteira de Hollywood (turismo, paisagem, blue jeans, comida, fast-food, sonho americano, idioma inglês). O cinema é uma ferramenta do soft power.
A maior iniciativa de apoio ao cinema brasileiro nasceu no período militar: a Embrafilme, que, além de financiar, distribuía os filmes. Nos Anos de Chumbo o cinema brasileiro era onde matávamos a sede de debates. Íamos ao Cine Paissandu, e alguns filmes brasileiros, como “Terra em transe”, de Gláuber Rocha, produziram discussões memoráveis.
Com o tempo, os filmes intelectualizados deram lugar a outros mais populares. Cada um dos diretores contribuiu com a nova fase: Leon Hirszman fez “Garota de Ipanema”; Joaquim Pedro de Andrade, “Macunaíma”; Nélson Pereira dos Santos, “Como era gostoso o meu francês”. Domingos de Oliveira fez “Todas as mulheres do mundo”. A mesma geração que sustentou o debate preparou o trânsito para um momento mais leve e comercialmente viável.
O cinema brasileiro já disputou quatro vezes o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A primeira vez com “O pagador de promessas” (Anselmo Duarte) em 1963; a segunda com “O quatrilho” (Fábio Barreto) em 1996; em seguida com “O que é isso, companheiro?” (Bruno Barreto) em 1998; e “Central do Brasil” (Walter Salles) em 1999. E ganhou com “Ainda estou aqui”, indicado entre os melhores, inclusive americanos.
Há alguns meses houve uma retrospectiva de filme brasileiro em Nova York, no Lincoln Center. No dia 24 de abril, em Londres, haverá outra. São retrospectivas concentradas na produção da L.C. Barreto, uma empresa singular no mundo, com mais de 60 anos no ramo. Há filmes como “Bye Bye Brasil”, de Cacá Diegues; “Terra em transe”, de Gláuber Rocha; e “Vidas secas”, de Nélson Pereira dos Santos; discutidos em inúmeros artigos e ensaios pelo mundo. Foram incluídos entre os cem melhores filmes de todos os tempos pela revista inglesa Sight and Sound.
É preciso pedir ao governo bom uso da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), taxa criada por João Paulo dos Reis Velloso, ministro do Planejamento de Ernesto Geisel. Ela é paga pelos profissionais e empresas que operam na indústria cinematográfica. A Condecine fatura mais de R$ 1 bilhão por ano. O destino da verba: indústria cinematográfica. Isso é garantido por meio das políticas de fomento desenvolvidas pela Agência Nacional do Cinema. No entanto, se parte desse montante não for usado, o que acontece com frequência, por descaso da instituição que administra o repasse, o valor cai nos cofres do governo e é usado noutros setores, prejudicando a cadeia de produção do cinema brasileiro.
A imprensa poderia dar um pouco mais de espaço ao cinema, mas a própria indústria, por meio do sindicato, tem de estar presente nas redes sociais. No Congresso, é preciso criar um grupo de apoio ao cinema nacional. Empresas poderiam promover a exibição de filmes brasileiros em escolas, com a presença de atores. Nada disso está acontecendo, mas creio que Lucy Barreto — que, aos 92 anos, viaja pelo mundo promovendo o cinema brasileiro — poderia ser ouvida para a criação desse movimento.
Finalmente, um grande problema: cinemas de rua foram para os shoppings, ficaram caros demais para nosso povo. O debate é necessário: como explorar nossa riqueza cultural?
Texto e imagem reproduzidos do site: gabeira com br
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