segunda-feira, 12 de maio de 2025

A Ética, o trânsito e Hannah Arendt

Legenda da foto: Hannah Arendt, filósofa e política alemã ..., postada pelo blog

 Artigo compartilhado do site DESTAQUE NOTÍCIAS, de 9 de maio de 2025

A Ética, o trânsito e Hannah Arendt
Por Eduardo Marcelo Silva Rocha*

Hannah Arendt foi, sem dúvidas, uma das filósofas mais importantes do século XX. Antes de tudo o mais que possa ter influenciado, seu pensamento permitiu entender o Mal de forma pragmática, sem apelos demoníacos, místicos ou sobrenaturais.

Não à toa, tudo isso deu-se no contexto de entender como o Fascinazismo foi capaz de surgir, crescer, hegemonizar-se e, por fim, matar 6 milhões de Judeus e 25 milhões de soviéticos, a partir da década de 30 do século citado – isso sem contar com religiosos, ciganos, homossexuais, deficientes, dentre outros.

O que a filósofa fez, sem ser servidora pública ou receber financiamento público, foi observar que aquele nazista incumbido de pensar e executar a logística responsável por levar pessoas em vagões de gado em condições insalubres de higiene e alimentação – tortura físico/psicológica – aos campos de concentração onde seriam escravizados e mortos, evitava pensar sobre o que fazia, afinal, além de “somente seguir ordens”, aquilo era  o que deveria fazer para assegurar seu êxito profissional.

Ela viu, inclusive, ser esse homem era uma pessoa comum – o vizinho pacato de qualquer um. Ou seja, se qualquer um poderia fazer aquilo, muitos o poderiam fazer e, exatamente por isso, aquilo era feito. E pela ação/omissão aparentemente comum, feita por pessoas comuns, mais de 30 milhões de pessoas morreram no contexto da guerra de extermínio étnico, físico e social do Fascinazismo.

Ela observou que Eichmman, anos depois em seu julgamento, insistia que somente cumpria com suas obrigações, não lhe cabendo mais do que isso, o que lhe fazia um profissional exemplar, merecedor dos louvores a respeito desta conduta. “Ele só lutava pela sua melhora”.

Aplicando a ideia de buscar “o melhor para mim” sem considerar o outro ao tráfego urbano, podemos começar a entender porque o Brasil tem o trânsito mais mortal do mundo.

Quando transitamos fazendo conversões proibidas, estacionamento em locais proibidos ou em filas duplas e triplas, transitamos em baixa velocidade na faixa da esquerda, dentre tantas outras infrações, simplesmente estamos buscando a nossa melhora, o que nos é mais conveniente, confortável e agradável, o outro que espere e se ajuste.

Trata-se da incivilidade, egoísta por natureza. Fazemos o que nos é “melhor”, mesmo que seja contra o outro.

A Ética é um ramo que ao estudar uma sociedade, é capaz de extrair dos seus costumes o que seria  o sistema de valores. Exemplo: matar é um comportamento indesejado, ruim para a sociedade, sem valor ou contra os valores.

Moral versa sobre  o comportamento individual, sobre o que cada um faz diante das ações cotidianas e o que isso se alinha ou ofende o sistema de valores éticos. Um exemplo bem didático, copiado aqui de Clóvis de Barros, é a diferença entre as duas decisões de não furtar algo porque aquilo é errado ou porque há uma câmera filmando. Na primeira decisão tem-se uma conduta moral, de acordo com os valores do código ético. No segundo, não há a escolha em não fazer o errado, mas sim o mote se dá pelo medo de ser pego, pois se não o houvesse, o furto ocorreria.

É interessante pontuar que nossos comportamentos têm impactos individuais e coletivos. Algumas das nossas ações podem (vão) apenas nos impactar, enquanto outras podem (vão)  impactar pessoas próximas ou mesmo toda nossa sociedade. Ou seja, devemos guiar nossas ações considerando todo esse espectro. Eichmman certamente era um bom pai, assim como muitos chefes nazistas cuidavam com amor de seus bichinhos de estimação. Eis uma atitude individual capaz de tocar positivamente quem vê, apoiando-se em frases como “uma pessoa que cuida dos seus bichinhos não pode ser uma pessoa ruim!”, mas faziam isso ao mesmo tempo em que promoviam mortes em escala industrial, como nunca visto antes, nem depois.

Muitas vezes, achamos que dar esmolas nos redime daquilo que fizemos mais cedo e  que apesar de tentarmos entorpecer a mente, sabemos que foi errado, como se um comportamento individual positivo fosse capaz de compensar um coletivo. Podemos ser “boas pessoas” ao cruzarmos com nossos vizinhos pela manhã, ao mesmo tempo que podemos estar pondo a máquina do holocausto contra um grupo, para garantir “nossa melhora”, mas a escolha é sempre de cada um.

Certamente, as Religiões são os mais antigos sistemas éticos em vigor e, inclusive, importantes até hoje na pactuação social, apesar de todos os avanços.

Assim, para quem acredita, inegociavelmente, “Deus tá vendo!”.

* É tenente coronel da PM/SE e membro da Academia Brasileira de Letras e Artes do cangaço (eduardomarcelosilvarocha@yahoo.com.br)

Texto reproduzidos do site: www destaquenoticias com br

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