domingo, 25 de maio de 2025

Pobres de direita e ricos de esquerda


Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 24 de maio de 2025

Pobres de direita e ricos de esquerda

O domínio da elite financeira e o pensamento único da direita que o autor denuncia não existem. Adriano Gianturco para a Gazeta do Povo:

Foi recentemente publicado o livro O pobre de direita, no qual o influente sociólogo Jesse Souza tenta entender por que alguns pobres votaram em Bolsonaro. A obra é campeã de vendas.

Para Souza, a atual direita brasileira nasceu nos anos 1970, no mundo corporativo dos EUA, ignorando: 1) raízes mais antigas; 2) o papel de Olavo de Carvalho; 3) que o identitarismo, o wokismo e a Amazon (onde ele vende seu livro) também nasceram nos EUA! Coisa óbvia, visto que quase tudo nasce no centro e depois se espalha. Critica os financiamentos da Fundação Olin e dos irmãos Koch para professores e institutos de direita, mas não cita os financiamentos da Fundação Ford, de Soros, Bill Gates, do Clube de Roma, da USAID e dos que a Escola de Frankfurt e várias ONGs também receberam; e, claro, a direita é sempre chamada de “extrema”, “ultra” e “racista”.

O autor usa (ainda em 2025) a teoria da luta de classes marxista, mas substitui a economia pela ética como motivo do conflito. Ele alega que quem votou maciçamente na direita foram os “perdedores do neoliberalismo” (como se, em sistemas alternativos, houvesse mais ganhadores), os “pobres remediados” e os “negros evangélicos”, entre a “ralé” e a “classe média real”.

O livro enxerga tudo como um grande plano globalista intencional: “a ética social e moral dominante é criada pelos brancos para oprimir os próprios negros” — como se o marxismo não tivesse sido criado também por brancos…!

Também comete a falácia do psicologismo, supondo entender as verdadeiras razões internas das pessoas — por exemplo, aquelas que se manifestavam em favor da Lava Jato e pró-impeachment.

O domínio da elite financeira e o pensamento único da direita que o autor denuncia não existem. É competição de ideias. E é o marxismo a ser mais hegemônico no Brasil, a ponto de a população repetir jargões marxistas sem nem notar — e a ponto de ele mesmo vender sempre muitos livros.

Tão importante quanto o que o livro contém é o que o livro não contém. Não tem estatística; tudo começa e termina nas teorias sociológicas e na percepção do autor. Os dados o ajudariam a ver que o Brasil não se diferencia por ter livre mercado demais, mas pelo exato contrário.

O autor critica como os protestantes americanos converteram os brasileiros, mas não entende que o ser humano é religioso por natureza e que o aumento dos evangélicos responde à necessidade de um mínimo de vida regrada, especialmente nesse contexto de altas taxas de criminalidade, alcoolismo, promiscuidade, falta de visão de longo prazo, consumismo, ostentação e desestruturação familiar. Os pobres estão escolhendo sua religião e não são mais manipulados que os demais.

Uma pesquisa da Fundação Abramo mostrou que os pobres das periferias: 1) votam de forma pragmática e não segundo a dicotomia esquerda/direita típica de nós, ricos; 2) criticam a mistura política/religião — não no sentido de que não deveria haver religião na política (como o autor alude), mas no sentido de que a política não deveria poluir a religião.

O livro tem alguns méritos: entende que a ideia de “cultura da corrupção” como causa da corrupção brasileira e como suposta jabuticaba não se fundamenta; entende que o Brasil é fortemente dividido em classes (ele compara com as castas indianas); entende o que ele chama de “humilhação cotidiana” que muitos pobres e negros sofrem.

O livro é denso de citações, fortemente enviesado, usa uma linguagem muito agressiva (“branquinhos, bem-vestidos e histéricos”) e cria um bode expiatório para a frustração de muitos — por isso acaba convencendo muitos.

A sociedade e a política são sistemas multifatoriais, que não se explicam só pela economia (Marx) ou pela ética (Souza). O mundo não é planejado; é uma “ordem espontânea”, um processo à mão invisível sem controle central, um sistema dinâmico criado pelo homem, mas sem ser desenhado por ninguém (Adam Ferguson), que cria tanto pobres de direita quanto de esquerda, ricos de direita e de esquerda — como o próprio autor.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

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