terça-feira, 24 de junho de 2025

'Empatia com quem sofre na guerra', por Fernando Gabeira


 Artigo compartilhado do site do GABEIRA, de 23 de junho de 2025

Empatia com quem sofre na guerra.
Por Fernando Gabeira (In Blog)

Escritores têm uma característica comum: o impulso irresistível de se colocar no lugar do outro. Logo, não importa onde estoura uma guerra, a tendência é estar mentalmente no teatro de operações. Sofri muito com o frio e a bruma sobre o oceano na Guerra das Malvinas. O desconforto voltou na madrugada em que Israel iniciou uma série de bombardeios em Teerã, e alguns mísseis foram disparados contra Tel Aviv. Fui ao banheiro e lembrei-me da guerra começando. Acendi a luz, abri a torneira e tive certo alívio: a água corria, havia eletricidade.

Pensei em Teerã e Tel Aviv. Será que, com esses bombardeios, tudo está funcionando? Tel Aviv dispõe de abrigos subterrâneos; logo, as pessoas têm para onde ir. E Teerã, uma cidade com 10 milhões de habitantes, sem nenhum abrigo? Não há saída, exceto deixar a capital.

Milhões se deslocando criam enormes engarrafamentos nas estradas. Os postos de gasolina fecham ou reduzem suas vendas a 10 litros. Lembrei-me de uma reportagem no Jornal do Brasil na década de 1960: Copacabana pode morrer de susto. Se todos saíssem de carro ao mesmo tempo, seria um desastre no bairro. Imaginei-me vizinho de um cientista nuclear. Minha garganta estaria em fogo, os olhos ardendo pela fumaça das explosões. E a fuga? Para onde ir de repente?

Leio o relato de um poeta iraniano. Ele foi para uma cidade do interior, onde moram parentes. Mas a pequena cidade já estava cheia; os mercados esgotados com tanta procura. Já que tinha perdido o sono, imaginei-me em Tel Aviv. Sirenes tocando, corrida para os abrigos. Passei a tarde lendo um livro sobre o Mossad, “Rise and kill first”, de Ronen Bergman. É sobre o serviço secreto israelense, cuja história se confunde, a partir de certo momento, com a própria História do país.

Leio que existia uma discussão interna sobre o que fazer com o programa nuclear iraniano. Bombardear ou matar seletivamente os cientistas? Matar era mais fácil. No princípio, seis cientistas foram mortos, e o método era relativamente simples: motociclistas armavam as bombas nos carros deles. Imaginar-se em Tel Aviv significa conviver com algo que nem todos os países têm: a sensação de perigo existencial.

Foi ela que determinou os passos do Mossad e o transformou, parcialmente, num órgão especializado em matar. No princípio, era preciso matar cientistas alemães, ex-nazistas que foram ao Egito ajudar a produzir mísseis. Depois, foi necessário matar alguns militares egípcios que ajudavam árabes a realizar atentados; em seguida, foi necessário matar alguns líderes palestinos; finalmente, os cientistas iranianos e alguns generais que comandam a Guarda Revolucionária.

Foi tanta necessidade de matar diante da ameaça existencial que, em certo momento, um líder político indagou: como pode uma nação tão idealista e sensível adotar tal política? Parece que as durezas do destino acabaram chegando à tese de um famoso agente do próprio Mossad, Natan Rotberg, que acabou formulando uma saída para conciliar idealismo e assassinato seletivo:

— Você precisa aprender a perdoar o inimigo. No entanto, não temos autoridade para perdoar gente como Bin Laden. Isso, apenas Deus pode fazer. Nosso trabalho é arranjar um encontro entre eles.

A ameaça existencial é um forte argumento, assim como a punição aos terroristas do Hamas que invadiram Israel. No entanto o sofrimento da população de Gaza mostra que essa longa luta arruinou a visão humanitária do jovem país. É um caminho de que não se sai incólume.

A ameaça existencial criou uma dívida de gratidão com o Marrocos. Segundo o livro de Bergman, o Mossad ajudou a matar o líder marroquino Ben Barka, em Paris, causando um grande trauma na França. O Mossad contribuiu com uma técnica que ajuda a dissolver o corpo da vítima, por meio de uma combinação química que o elimina com a chuva. O que restou de Ben Barka foi sepultado na área construída da Fundação Louis Vuitton.

Texto e imagem reproduzidos do site: gabeira com br

Nenhum comentário:

Postar um comentário