quarta-feira, 9 de julho de 2025

Putin e o 'suicídio' dos infiéis


 Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI 9 de Julho de 20225

Putin e o 'suicídio' dos infiéis

Aumento de suicídios ou suicidados é atribuído a mudanças nos padrões exigidos para ser considerado fiel ao Kremlin - e poupado de coisa pior. Vilma Gryzinski:

Se todos são corruptos e se a roubalheira é permitida desde que dentro dos parâmetros estabelecidos por Vladimir Putin, por que tantos integrantes da elite russa estão sofrendo percalços, inclusive sob a forma de queda de andares altos e tiros na cabeça?

O caso que mais chamou a atenção no exterior foi o de Roman Starovoit, demitido do cargo de ministro dos Transportes – provavelmente quando seu corpo já estava sem vida no carro em que foi encontrado com um tiro na cabeça.

Suicidou-se ou foi suicidado? As dúvidas sempre persistirão, apesar do fato de que na verdade nem sempre sejam verdadeiros os boatos de assassinatos cometidos por agentes de Estado. Vladimir Putin mantém um controle tão absoluto que, em princípio, não precisa eliminar inimigos ou aliados que saiam da linha. Mas como há casos em que todos os fatos apontam para serviços de inteligência, a primeira reação a cada novo caso de suicídio ou outros percalços na elite russa é ver o longo braço do líder supremo.

E foram vários num prazo recente de poucos dias. Um ex-vice-ministro da Defesa, Timur Ivanov, foi condenado há treze anos de prisão na semana passada, por corrupção – além, obviamente, de perder todas as medalhas.

CONTRATO SOCIAL TÁCITO

Andrei Badalov, vice-presidente da Transneft, a maior rede de transporte viário conectada aos oleodutos russos, caiu da janela de seu apartamento em Moscou – o oitavo caso do tipo desde 2022. Konstantin Strukov, presidente executivo da terceira maior empresa de mineração de ouro do país, foi preso no sábado passado, dentro de jatinho particular no qual viajaria para a Turquia. Acusação: usar parentes e conhecidos como laranjas para desviar depósitos de ouro e de carvão.

Depois, aconteceu o suicídio suspeito de Starovoit, um tecnocrata que fez carreira como empresário e burocrata, tendo sido governador de Kursk, a região que teve uma parte invadida pela Ucrânia.

Ganhou força, assim, a pergunta: se todos roubam, sob a condição conhecida em outros países corruptos – pagar a parte devida aos detentores do poder -, por que tantos incidentes do tipo? Teriam todos sido gananciosos demais? Poderiam ter tentado passar a perna em ninguém menos que Vladimir Putin, cuja ascensão se deve, justamente, a colocar ordem na casa durante a fase da roubalheira sem regras da Rússia pós-soviética?

O historiador britânico Mark Galeotti, especialista em assuntos russos, disse ter ouvido de uma fonte a hipótese de que, sob a pressão da guerra na Ucrânia e dos efeitos deletérios que tem sobre a economia, as regras podem estar mudando.

“O contrato social tácito de Putin com a elite é que eles podem roubar, mas só dentro de determinados limites e na medida em que sejam leais ao Kremlin”, escreveu ele.

“Mas os limites aceitáveis de enriquecimento pessoal e o que significa ‘lealdade’ parecem estar mudando de maneiras imprevisíveis. Uma fonte bem informada de Moscou disse que ‘as elites querem ficar dentro da linha vermelha, mas o que as apavora é que ninguém mais sabe onde ela está’.”

SISTEMA EM RUÍNAS

O método de intimidar aliados é um clássico do exercício autoritário do poder. A história do império romano praticamente pode ser contada do ponto de vista dos senadores que eram intimidados, quando não degolados, por césares com quem disputavam pelo menos uma parte simbólica do poder.

Ao contrário da imagem que se consolidou, os imperadores não eram onipotentes e seus atos tinham que ser endossados pelo Senado – imaginem só os confrontos.

Calígula atribuía ao suicídio as mortes de senadores influentes – nada de novo se inventa sob o sol. Alguns eram obrigados realmente a se suicidar. Um dos casos historicamente mais famosos é do senador Tráseia Peto, o único, entre os colegas obsequiosos, que não elogiou a carta de Nero explicando por que havia mandado matar a mãe, a poderosa e igualmente sinistra Agripina. Estoicamente, cortou as veias diante do emissário que havia trazido a ordem de suicídio, dizendo que ao jovem “havia tocado nascer nesses tempos em que convém fortalecer a alma através de exemplos de retidão”. Classe é classe.

Putin criou um ambiente em que acabou com a instabilidade de um sistema em ruínas e garantiu a fidelidade das elites. Ele tem também nada menos que 86% de aprovação popular. Pode fazer o que quiser. Até quando não precisa se livrar de indivíduos que saem da sua linha justa, mas faz isso mesmo assim. Ou deixa todo mundo pensando que fez, o que tem o mesmo efeito mafioso de insuflar o medo e a subserviência.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

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