terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Zezé lançou o autoritarismo musical: só canta para quem concorda com ele

 Imagem: Zezé aparece no vídeo como expoente do rancor contra Lula e Moraes

Artigo compartilhado do site ICL NOTÍCIAS, de 15 de dezembro de 2025 

Zezé Di Camargo lançou o autoritarismo musical: só canta para quem concorda com ele

Por Chico Alves (Colunistas ICL)*

Não vou negar que sou louco pelas músicas que Zezé Di Camargo canta em parceria com o irmão, Luciano. Tenho perfil diferente dos fãs da dupla: meu gosto musical é uma mistura maluca de samba, jazz, ritmos latinos, novidades brasileiras e uns artistas pouco conhecidos do continente africano. Perdi as contas de quantas vezes os amigos me criticaram — a sério ou ironicamente — ao saber que ouço as músicas de Zezé e Luciano. A “acusação” é sempre a mesma: muito brega.

Mas para mim breguice não é defeito, e sim qualidade. Tenho admiração pelos artistas que criam refrões capazes de fazer o povo cantar, e sinto vontade de cantar junto. Claro que também tenho admiração pelos que vão contra a corrente, como Tom Zé, Jards Macalé, Itamar Assunção e outros, mas músicas populares me conectam com o país que não é descolado e nem hipster, que não tem vergonha de se emocionar e chorar, mesmo embalado por canções comerciais.

Até certo ponto, gosto muito desse Brasil.

Quando Zezé se bolsonarizou, fiz um esforço gigantesco para separar o artista do cidadão e continuei curtindo a dupla — com muito menos frequência, é verdade. Achava que ele era mais um abduzido pela campanha antipetista repetida pela imprensa durante anos e hipnotizado pelas mentiras que Bolsonaro espalhou. Imaginava que o surto extremista ia passar.

Depois do vídeo que o artista publicou em suas redes sociais na madrugada desta segunda-feira (15), mudei de ideia.

Na gravação, Zezé se mostra indignado porque as donas do SBT, emissora para a qual gravou um especial de fim de ano, receberam o presidente Lula e o ministro Alexandre de Moraes no lançamento de um novo canal de notícias.

Na publicação, o sertanejo não age apenas como uma das vítimas do transe fomentado pela extrema direita desde 2018. Justamente nesse momento em que o bolsonarismo está em baixa, Zezé aparece no vídeo como expoente do rancor contra Lula e Moraes.

Com a cara fechada e argumentação trôpega, ele diz: “não tenho nada contra ninguém”. Em seguida ataca as herdeiras de Silvio Santos, diz que estão se “prostitundo” ao receber o presidente e o ministro e aconselha que a emissora não exiba o seu especial de Natal. Imagina se tivesse algo contra alguém…

O sertanejo reclama que as filhas de Silvio Santos agem diferente do pai. Se esquece que em todos os mandatos anteriores Lula apareceu no SBT, em papos cordiais com o dono da emissora.

Se colocando no papel pretensioso de tradutor da alma nacional, Zezé diz que a maneira como as herdeiras pensam não condiz com grande parte do povo brasileiro e com seu próprio pensamento. Por isso, não quer ver seu especial exibido no canal. A julgar pelo que diz, então, ele só canta para aqueles que odeiam Lula e adoram Bolsonaro.

Zezé acaba de inventar novo tipo de ferramenta ideológica: o autoritarismo musical, segundo o qual só pode ouvir determinadas músicas o público que concordar com a ideologia do cantor ou compositor.

Um descalabro.

Como detesto Bolsonaro por atacar a democracia, defender a tortura, fomentar a devastação ambiental, permitir mortes evitáveis na pandemia, disseminar o machismo, roubar joias, empregar funcionária fantasma, divulgar mentiras, proteger os filhos de investigação e tentar golpe de Estado — entre outros crimes –, não poderei mais ouvir Zezé Di Camargo.

Se colocasse em prática antes essa ideia de sintonia ideológica, já teria deixado suas músicas de lado há tempos, ainda mais sabendo que costuma ganhar cachês altíssimos às custas de prefeituras de cidades pequenas, que mal conseguem manter os serviços básicos para seus habitantes. Isso fere minha ideologia.

Não há dúvida: seguindo a própria cartilha de Zezé, é hora de silenciar sua voz aguda aqui em casa.

O artista não perde nada com isso, já que tem fã-clube de milhões — não vai dar a mínima para o meu adeus.

Meus amigos também dirão que eu não perco nada, pelo contrário.

Deveriam estar todos satisfeitos.

Mas tudo isso é muito triste.

O vídeo que viralizou nas redes é prova de doença, não do artista, mas da sociedade brasileira. Regredimos em nosso nível de civilidade e é difícil dizer se voltaremos ao que um dia chamamos de normal.

Por enquanto, temos que enfrentar a lamentável constatação de que Zezé, que já teve como um dos grandes hits a música “É o amor”, agora é uma das maiores estrelas na disseminação do ódio.

* Chico Alves - Jornalista, por duas vezes ganhou o Prêmio Embratel de Jornalismo e foi menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog. Foi editor-assistente na revista ISTOÉ e editor-chefe do jornal O DIA. É co-autor do livro 'Paraíso Armado', sobre a crise na Segurança Pública no Rio, em parceria com Aziz Filho. Atualmente é editor-chefe do site ICL Notícias.

Texto e imagem reproduzidos do site: iclnoticias.com.br

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