terça-feira, 10 de julho de 2018

"A melhor vingança que posso ter é educar todas as crianças do mundo"

Malala defende que a educação é o melhor investimento
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Publicado originalmente no site da revista Época Negócios, em 09/07/2018 

"A melhor vingança que posso ter é educar todas as crianças do mundo"

Malala Yousafzai, prêmio Nobel da Paz, defende em São Paulo a importância da educação para o empoderamento feminino

Por Elisa Campos 

Era 9 de outubro de 2012. Um ônibus escolar paquistanês foi parado por membros do Talibã, na região de Swat. O alvo era uma garota de 15 anos. A punição, um tiro na cabeça por defender o direito de as mulheres estudarem. Mas Malala Yousafzai não morreu naquele dia. A bala destinada a calá-la fez com que nascesse uma das mais importantes e influentes vozes a favor da educação feminina no mundo. Malala sobreviveu, continuou sua luta e se tornou a pessoa mais jovem a ganhar um prêmio Nobel: o da Paz, aos 17 anos. Hoje vive na Inglaterra e estuda em Oxford. Ao mesmo tempo, mantém um fundo cujo objetivo é acabar com os obstáculos que impedem mais de 130 milhões de meninas de irem à escola ao redor do globo.

Quando questionada se tem sede de vingança pelo que lhe aconteceu, a paquistanesa que precisou abandonar sua terra natal evita o discurso de ódio. "A melhor vingança que posso ter é educar todas as crianças do mundo. Inclusive as das famílias daqueles que me atacaram", disse, nesta segunda-feira (09/07), em um debate sobre educação e empoderamento feminino promovido pelo Itaú, em São Paulo. "Você perde energia quando fala com raiva. Transmitir a mensagem de maneira pacífica tem poder. É possível que a resposta não seja rápida, mas você não será ignorado".

Malala conta que sua vida mudou quando ela acordou, após o ataque do Talibã. "Eu percebi que educação era mais do que ler e escrever. Era a maneira de as meninas se empoderarem. Desde então, tenho lutado pela educação feminina." Como gosta de dizer, "uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo".

E as mulheres precisam fazer parte dessa mudança. "A diversidade traz beleza. Celebrá-la nas escolas é muito importante. É o que faz as crianças acreditarem que podem ter qualquer sonho, independentemente de gênero, cor ou etnicidade", afirma. "A diversidade promove a tolerância. Com ela, deixamos de acreditar em estereótipos."

Ao comentar os desafios que enfrentamos na vida, a jovem paquistanesa ressalta que além dos externos, como o extremismo, temos também de enfrentar os internos. "É muito comum as mulheres subestimarem o poder de sua voz. Em Oxford, é normal ver os homens se mostrarem exageradamente confiantes, convictos, mesmo quando estão errados. Já as mulheres não demonstram esse tipo de confiança."

Família

No caminho percorrido de criança a ativista, Malala conta que seus pais foram fundamentais. Sua mãe foi a grande fonte de inspiração. Ao contrário da filha, ela não estudou. Durante muito tempo, sequer sabia ler. "Ao contrário de várias das histórias que ouço, na minha casa, quem fazia as leituras era eu. Eu lia para a minha mãe. Quando ela era ainda criança, vendeu seus livros e abandonou os estudos. Ela é um dos motivos pelos quais eu luto", diz.

A jovem também elogia bastante a postura de sua família. "Eu não tinha nada de especial em relação a minhas colegas de escola. Várias delas defendiam a educação feminina. A diferença é que meus pais não me pararam, não impediram de falar." Para ilustrar o argumento, Malala conta a história de uma amiga. Como os irmãos dela eram contra sua ida ao colégio, muitas vezes ela chegava atrasada, pois só conseguia sair de casa depois que eles também tivessem feito o mesmo. "Meu pai antes de se tornar um pai feminista precisou lutar contra si mesmo para não tratar sua filha como sua família havia tratado suas irmãs, impedindo-as de estudar."

Eleições brasileiras

Falando para uma plateia lotada, uma boa parte dela formada por jovens, Malala tentou inspirá-los e motivá-los. "Eu sei que há hoje muita raiva e desesperança por conta da situação econômica e política no Brasil, mas os ativistas têm o poder de trazer mudanças para a sociedade", diz. "Quando morava em Swat, eu não ficava esperando que alguém falasse por mim e defendesse o que eu acreditava. Vocês deveriam fazer o mesmo: acreditar em vocês e no poder da sua voz."

Uma das batalhas para este ano, segundo ela, deveria ser influenciar o debate político. "Numa eleição, a educação feminina deveria ser um das prioridades", afirma. "Termos mais mulheres educadas significa mais crescimento econômico e mais desenvolvimento." Nos próximos dias, Malala adiantou, seu fundo deve anunciar parcerias para atuar no Brasil. Aliás, é assim que ela se despede, encerrando o debate: "eu estou com vocês, brasileiros".

Malala pretende conquistar no Brasil novas vitórias. Que um dia elas sejam tantas que permitam que a jovem possa voltar a pisar em Swat. Em março deste ano, ela retornou pela primeira vez ao Paquistão desde o ataque de 2012. A ida à região onde morava, no entanto, ainda não foi possível por razões de segurança. As saudades são muitas. Aqui, em São Paulo, Malala elogiou a água brasileira, em comparação com a da Inglaterra. "Tem o gosto parecido com a da minha terra."

Texto e imagem reproduzidos do site: epocanegocios.globo.com

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