Publicado originalmente no site da revista Carta Capital, em 30/10/2018
Eleições 2018
Como 2018 mudou a forma de fazer política no Brasil?
Redes sociais, fake news, violência, perda da importância da
TV, derrocada de figurões e vitória de candidaturas nanicas inauguram uma nova
fase da política
Por Jean-Philip Struck
Nenhum espaço expressou tanto os extremos das eleições de
2018 como as redes sociais. Com a expansão do acesso à internet e o
direcionamento de parte do debate político para esses meios, se multiplicaram
os casos de boatos disseminados para impulsionar candidaturas e prejudicas
outras. Houve casos de calúnias que envolveram acusações grosseiras, por
exemplo, de pedofilia, incesto, tortura, corrupção, homicídio que atingiram
candidatos.
A campanha de Jair Bolsonaro (PSL) soube usar como nenhuma
outra o potencial das redes sociais. Sem dinheiro e estrutura partidária, ele
já vinha há pelo menos três anos direcionando esforços para aumentar a sua
popularidade nas redes.
A iniciativa ganhou mais robustez a partir da greve dos
caminhoneiros, em maio. E com o aumento da presença de Bolsonaro nas redes,
também cresceu a disseminação de notícias falsas. Ao longo de 70 dias de
campanha, três agências de checagem apontaram que, dos 123 boatos analisados,
104 prejudicavam o petista Fernando Haddad (PT) - e consequentemente
beneficiavam Bolsonaro.
Até mesmo a família do presidenciável participou da
divulgação de mentiras. Dois filhos do ex-capitão chegaram a divulgar notícias
falsas atribuindo a elaboração de um "kit gay" por parte de Haddad à
época em que ele era ministro da Educação.
Uma pesquisa Datafolha apontou que quase metade dos eleitores
que usam o WhatsApp diz acreditar nas notícias que recebem pelo aplicativo.
Para 47%, as informações que chegam são confiáveis.
O problema é que pesquisas apontam que boa parte desse
conteúdo não deveria ser digno de confiança. Um levantamento realizado entre 16
de setembro e 7 de outubro que monitorou 347 grupos de WhatsApp de cunho
político mostrou que apenas 8% das imagens poderiam ser classificadas como
verdadeiras.
O próprio Judiciário admitiu que não estava preparado para
lidar com tal volume de fake news. A presidente do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), Rosa Weber, chegou a afirmar que desejava "imensamente que houvesse uma solução
pronta e eficaz" para combater os boatos. "Nós ainda não descobrimos
o milagre."
Intimidação à imprensa e violência
Casos de violência em eleições não são uma novidade no
Brasil, mas este pleito teve casos barulhentos de agressões e até de tentativa
de assassinato. Em setembro, Jair Bolsonaro (PSL) foi vítima de um ataque a
faca por um homem que apresentava problemas mentais. Em março, uma caravana do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então pré-candidato do PT, foi alvo de
tiros quando passava pelo Paraná.
Os casos de violência também foram notáveis entre o
eleitorado. Dezenas de casos de agressão por motivações políticas foram
registrados pelo país - muitos deles partiram de simpatizantes de Bolsonaro. Na
Bahia, um homem foi assassinado após ter declarado voto em Haddad. O próprio
Bolsonaro se eximiu inicialmente de condenar as ações.
Ele disse que lamentava a violência, mas que não tinha como
controlar seus apoiadores. Os episódios chamaram a atenção das Nações Unidas,
que manifestaram preocupação e apelaram para que os líderes políticos
condenassem qualquer forma de violência no pleito.
Jornalistas também foram alvo de agressões físicas e
linchamentos virtuais ao longo da campanha. Segundo a a Associação Brasileira
de Jornalismo Investigativo (Abraji), ao longo do ano foram pelo menos 137
casos de agressão em contextos partidários ou políticos.
Destes, 60 envolveram violência física. O restante envolveu
casos de assédio pela internet, como a divulgação de fotos e dados de
profissionais e disseminação de boatos envolvendo o nome deles, estimulando
ataques em massa nas redes.
Candidaturas espartanas
Com a proibição de doações por parte de empresas em 2015, a
expectativa é que o novo fundo público de campanhas tivesse papel decisivo no
pleito, beneficiando grandes partidos e políticos com mandato. No entanto, o
candidato que venceu a corrida presidencial declarou oficialmente ter gasto
apenas 2,5 milhões de reais. Um contraste com Dilma Rousseff, que declarou
gastos de mais de 300 milhões em 2014.
Jair Bolsonaro também ficou bem atrás nos gastos em relação
ao seu adversário no segundo turno, Fernando Haddad (PT) e os principais
derrotados na primeira rodada. O petista gastou - combinado com a candidatura
barrada do ex-presidente Lula - 53,3 milhões de reais.
O mesmo ocorreu com várias candidaturas ao Congresso.
Recursos robustos não garantiram a eleição de diversos candidatos, enquanto
nanicos com pouca estrutura e verba acabaram recebendo votações expressivas. Ao
contrário de 2014, a maior parte dos partidos com mais recursos também não
garantiram bancadas maiores na Câmara. Essa nova tendência atingiu em cheio o
PP, MDB, PSDB e PR.
O PSL, que elegeu 52 deputados, teve a eleição "mais
barata" para a eleger uma bancada expressiva na Câmara. Foram gastos pouco
mais de 7 milhões de reais, ou 142 mil reais por eleito. Já o PP, que elegeu 37
deputados, gastou 64,5 milhões, ou 1,7 milhão de reais por eleito. O deputado
federal mais votado de 2018, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), arrecadou cerca de 200
mil reais. Em 2014, o deputado mais votado havia gasto 1,9 milhão de reais.
Padrões similares também ocorreram no Senado. Em Minas
Gerais, a campanha fracassada ao Senado da ex-presidente Dilma Rousseff
arrecadou 4,2 milhões de reais. Foi praticamente o mesmo valor arrecadado pelos
dois candidatos combinados que foram eleitos.
TV perde importância
Em julho, o presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB) formou uma
aliança com dez partidos. A coligação acumulou 43% de tempo da propaganda na TV
no primeiro turno. Logo atrás de Alckmin, o PT acumulou 19% do tempo total no
primeiro turno. Henrique Meirelles, do MDB, ficou logo atrás, com 16%.
Desde que foi criado nos anos 1960, o horário eleitoral na
TV e no rádio foi encarado por décadas como uma ferramenta fundamental para uma
campanha bem-sucedida. Os partidos explicitavam isso direcionando boa parte dos
seus recursos com propaganda televisiva. Em 2014, a campanha de Dilma Rousseff
direcionou cerca de 80 milhões de reais para a produção de propagandas na TV e
no rádio.
No entanto, em 2018, dois candidatos que direcionaram boa
parte dos seus recursos para a TV obtiveram resultados pífios no primeiro
turno. Alckmin, dono do maior latifúndio televiso, obteve menos de 5% dos
votos. Meirelles, 1%. A TV ajudou Fernando Haddad a se tornar mais conhecido e
a colar sua imagem em Lula, mas ao final do primeiro turno, o petista ficou
atrás de Jair Bolsonaro (PSL), que contava com apenas oito segundos de TV.
Alckmin, por exemplo, somou no primeiro turno seis horas de
exposição em cada um dos canais abertos. Não houve efeitos sobre suas
intenções. Já Bolsonaro, que acumulou meros 10 minutos, chegou a saltar mais de
10% entre o início e o fim do horário eleitoral no primeiro turno.
No início de outubro, pesquisa Datafolha apontou que o
horário eleitoral na TV e no rádio foi apontado como "muito
importante" por 33% dos eleitores. Já 40% deles afirmaram que ele não tem
nenhuma importância. Foi o menor percentual em uma lista que incluiu itens como
"conversa com familiares e amigos" e as "notícias na TV, no
rádio e nas redes sociais".
Uma eleição sem Lula
Desde a volta das eleições diretas em 1989, a influência e o
carisma de Lula fizeram parte do cotidiano das eleições nacionais. Ele
concorreu diretamente em cinco pleitos. Em dois, teve papel como "grande
eleitor" emprestando seu apoio e participando ativamente da campanha do
candidato presidencial do PT da vez. Em 2018, no entanto, pela primeira vez
Lula não participou diretamente de uma campanha presidencial. Em abril, foi
preso.
Cinco meses depois, teve a candidatura à Presidência barrada
pela Justiça Eleitoral. Na prisão, se viu impedido de tomar parte em atos de
campanha do seu substituto e apadrinhado, Fernando Haddad. Seu papel acabou
sendo nos bastidores, longe dos palanques. Lula também não conseguiu emprestar
sua imagem a outros candidatos petistas que concorreram ao Congresso e aos
governos estaduais.
Sem a presença da sua principal figura e acossado pelo
antipetismo de parte do eleitorado, o PT encolheu na Câmara a níveis
semelhantes ao que tinha em 1995. No primeiro turno das eleições presidenciais,
Haddad ainda teve o pior desempenho de um candidato petista desde 1998. A sigla
ainda encolheu no Senado e nas Assembleias estaduais.
Uma nova força nacional
Impulsionado pelo fenômeno Bolsonaro, o PSL, sigla nanica
que o candidato se filiou em março, se tornou a segunda maior força na Câmara
Federal, com 52 deputados, e elegeu quatro senadores. Antes do pleito, não
contava com nenhum senador e tinha eleito apenas um deputado em 2014. O
crescimento espantoso da sigla mudou drasticamente a correlação de forças na
Câmara. O PSL avançou, sobretudo, sobre o espaço do MDB e do PSDB, siglas que
por décadas foram influenciaram decisivamente as pautas do Congresso.
Com essa nova dimensão, o PSL vai se tornar a partir de 2019
uma das siglas mais ricas do país. Vai contar com a maior fatia do fundo
partidário e a segunda maior porcentagem do fundo público de campanhas, além do
segundo maior tempo de propaganda na TV.
Deixando a condição de nanico, o partido deve chegar com
força nas eleições municipais de 2020. Em 2016, o partido elegeu apenas 30
prefeitos pelo país. Levando em conta a divisão do fundo partidário em 2017, o
PSL deve passar a receber no mínimo 72 milhões de reais por ano. Em 2017, a
parcela do partido mal passou de 6 milhões de reais.
Esse novo quadro ainda pode ter o efeito de atrair para o
PSL deputados eleitos por nove siglas menores que não ultrapassaram a nova
cláusula de barreira e que ficarão sem acesso ao fundo partidário a partir do
ano que vem. Se isso se confirmar, a bancada bolsonarista têm chances de
ultrapassar os petistas como maior grupo da Casa em 2019.
Derrota de figurões
A onda de renovação que varreu o Congresso no primeiro turno
também atingiu em cheio velhos caciques e figuras conhecidas da política
nacional. Entre eles estão nomes do PSDB, PT, MDB e PR.
No MDB, até mesmo o presidente da sigla, Romero Jucá (RR),
que atuou como líder dos governos FHC, Lula, Dilma e Temer, perdeu sua vaga de
senador. O mesmo ocorreu com o atual presidente do Senado, Eunício Oliveira
(MDB-CE) e os senadores Edison Lobão (MDB-MA), Roberto Requião (MDB-PR),
Garibaldi Filho (MDB-RN) e Valdir Raupp (MDB-RO), figuras que por décadas
tiveram posição de destaque na casa.
Entre os petistas, a lista de derrotados inclui os senadores
Jorge Viana (PT-AC), Lindberg Farias (PT-RJ) e outros nomes que pareciam
apostas seguras para conquistar uma cadeira, como Eduardo Suplicy (SP) e a
ex-presidente Dilma Rousseff (MG).
No PSDB, os derrotados incluem os senadores Cássio Cunha
Lima (PB) e Paulo Bauer (SC), além dos ex-governadores Beto Richa (PSDB-RJ) e
Marconi Perillo (PSDB-GO), que se lançaram para vagas na Casa. Outros
derrotados incluem a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Cristovam Buarque
(PPS-DF).
Vários clãs familiares também acumularam derrotas. Roseana
Sarney (MDB) fracassou em sua tentativa de se eleger mais uma vez para o
governo do Maranhão. Seu irmão, o deputado Sarney Filho, que está no Congresso
desde os anos 1980, perdeu uma disputa para o Senado.
No Rio Grande do Norte, pela primeira vez desde os anos
1970, o núcleo central das famílias Alves e Maia ficaram sem representantes no
Senado. No Rio de Janeiro, as famílias Cabral e Picciani também viram
representantes fracassarem nas urnas.
Derrocada do PSDB e do MDB
Após 24 anos sem lançar à Presidência um candidato próprio,
o MDB resolveu apresentar neste pleito o ex-ministro Henrique Meirelles (MDB).
Já o PSDB lançou Geraldo Alckmin, veterano da disputa presidencial de 2006.
Filiados a partidos que foram atingidos em cheio pela Lava Jato e associados
com o impopular Temer, os dois tiveram desempenho pífio.
Meirelles obteve 1,2%,. Atropelado pela candidatura do
direitista Jair Bolsonaro (PSL), Alckmin conseguiu menos de 5% dos votos, de
longe o pior desempenho do tucanos desde 1989, quando disputaram sua primeira
eleição presidencial.
Para piorar, o mau desempenho dos dois candidatos frente a
Bolsonaro se refletiu no Congresso. Em relação à eleição de 2014, o MDB
encolheu de 66 para 34 cadeiras na Câmara, recuo de 48%. No Senado, também
acumulou uma série de derrotas e vai começar 2019 com 12 senadores, ainda a
maior bancada da Casa, mas com seis membros a menos do que a atual.
Nunca o MDB foi tão pequeno em ambas as Casas do Congresso
desde os anos 1980. Em dez estados, não elegeu sequer um deputado federal. Uma
marca inédita. Nas duas últimas eleições, a sigla sempre conseguiu eleger no
mínimo um representante por Estado. Nos pleitos anteriores a 2010, o número de
estados sem um deputado federal emedista nunca passou de dois.
Já o PSDB encolheu de 54 para 29 deputados federais em
relação ao pleito de 2014 (-46%). Passou de terceira maior bancada para a nona.
Ficando atrás do PSD, PR, PSB e PRB (partido ligado à Igreja Universal). Nem
mesmo em 1990, dois anos após a sua criação, o PSDB havia conseguido eleger tão
poucos deputados. No Senado, mais encolhimento. A sigla deve começar a próxima
legislatura com nove senadores, três a menos do que hoje.
Texto e imagem reproduzidos do site: cartacapital.com.br
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