Manifestação do Partido Comunista Português em Lisboa no dia
1º de março de 1975
Foto Getty Images
Publicado originalmente no site El País Brasil, em 26 de outubro de 2018
Procura-se um comunista, desesperadamente
Não vale um médico cubano, um venezuelano da fronteira, falo
do comunismo que assombra a família brasileira no WhatsApp
Por Xico Sá
Procura-se um comunista, no desespero do momento histórico.
Sério. Procura-se um comunista para uma cerveja, um vinho, um rabo-de-galo, uma
pinga, uma catuaba, o que vale é comoção do encontro. A legenda da foto do
Instagram está pronta: um brinde ao lado do último comunista brasileiro. O
problema é achar o personagem.
Procura-se esse comunista e esse comunismo que tanto
assombra a família brasileira nas correntes de WhatsApp - sejam nos grupos
amadores e espontâneos ou nas milícias virtuais do caixa 2 do Bolsonaro,
conforme reportagem da “Folha”.
Não vale esse suposto, teórico e pseudo-comunismozinho do
PT, partido nascido nos sindicatos e nas comunidades eclesiais de base da
Igreja Católica, uma legenda carola por excelência, democrata-cristã demais da
conta, papa-hóstia. Muito capitalista e burguês para o meu gosto.
Religião e política, nunca discutimos tanto. Tem uma lorota
dessa natureza que circula desde as eleições de 1989: os comunas irão pintar a
estátua do padre Cícero, no meu Cariri natal, de vermelho. A fake news “de
raiz” faz sucesso até hoje.
Cada vez que vejo essa paranoia do comunismo renovada, tento
achar pelo menos um velho amigo dessa turma. Impossível tomar uma carraspana
com um autêntico comunista. Nem mesmo no Maranhão, onde o PC do B faz um
governo de grande aceitação popular e derrotou o império do Sarney, existe mais
esse personagem folclórico. Hei de encontrar algum lá no Chico Discos, o bar e
sebo dos vinis e livros mais incríveis de São Luís. Que São José do Ribamar me
ajude.
Procura-se um comuna para uma cuba-libre, para uma vodka
ainda nesse outubro do aniversário da Revolução Russa. Risos. Mais risos. Quem
disse que eu encontro? Quem sabe no Bip Bip do Alfredinho, o botequim de
resistência carioca, ai de nós, Copacabana, nesse perigo da hora.
Ah, já sei, talvez encontre uma alma perdida em Jaboatão dos
Guararapes, a “Moscouzinho” pernambucana, cidade que elegeu o primeiro prefeito
vermelho do Brasil, o médico Manoel Calheiros, em 1947. Quem sabe, quem dera,
caríssimo Gilvan Barreto.
Por favor, me ajude, amigo leitor, nessa busca. Falo de um
comuna roots, um comuna-jurubeba, não vale um socialistazinho de araque, não
vale o que sobrou da esquerda clássica das boas e humaníssimas causas, quero um
comunistão digno da paranoia das fake news, um monstro devorador de
criancinhas, não vale um psolista do socialismo moreno, sem essa, desejo um
papa-figo que assombra a família brasileira. Desculpe, leitor, mas essa
paranoia do comunismo, é uma comédia, me divirto em um momento grave, digo, só
rindo para aguentar a barra e não deprimir mais ainda.
Comunista de raiz mesmo, só nas vilas do Alentejo, em
Portugal, para onde os brasileiros endinheirados fogem com medo do falso
comunismo tupiniquim. Ah, essa terra ainda vai cumprir seu ideal, xará Buarque.
Na sua derradeira coluna no jornal “Letras & Artes”, de
Lisboa, o escritor Valter Hugo Mãe também se diverte: a brava gente brasileira
irá fugir agora com medo do fascismo, mas essa turma tem menos grana para
entrar na especulação imobiliária lisboeta. Todo santo dia entopem a caixa
postal do autor com ofertas para comprar o seu apartamento, ave palavra suada,
sagrado imóvel. Ô Valtinho, és incrível e a ti reservo todo o meu complexo de
Édipo.
Opa, havia esquecido, mas o Marechal - Álvaro Costa e Silva
para os leitores da 'Folha' e amantes dos livros - lembrou recentemente no seu
twitter do último comunista que conheceu: o escriba Fausto Wolff, que se foi
deste Brasilzão em 2008. Que inveja, amigo de alta patente. A foto é lirismo
só, vocês ali no bar da Maria, delirando sobre Rosa de Luxemburgo, sob um calor
carioca de fazer os pinguins fugirem dos cascos de Antarctica.
Pela última vez, apelo, procura-se um comunista, não vale a
turma cubana do programa “Mais Médicos”, não vale os venezuelanos de Roraima,
exijo um comuna-raiz, não apenas um desses vermelhos que o Bolsonaro prometeu
eliminar ou prender na sua fala pública do último domingo - para gozo da
plateia na avenida Paulista.
Procura-se. Vivo ou morto.
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Big Jato”
(Companhia das Letras), entre outros livros. Na tv, apresenta o programa Cine
Foot, no Canal Brasil.
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
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