Joênia Wapichana sucede Mário Juruna, primeiro parlamentar indígena que deixou
Congresso em 1986. ( DIVULGAÇÃO/CIMI/MEL SNYDER)
"A decisão é nossa. Agora é a hora", diz cartaz de apoio à candidatura de Joênia, nas
mãos de outros integrantes de sua tribo. REPRODUÇÃO/FACEBOOK/JOENIAWAPICHANA
Candidata pela Rede foi eleita deputada federal com 8.491
dos votos. Esta é a 1ª vez que uma mulher indígena ocupa o cargo em quase 200
anos de Câmara.
By Andréa Martinelli
Com 8.491 dos votos, Joênia Wapichana (Rede-RR), de 43 anos,
foi eleita deputada federal e será a primeira mulher indígena a ocupar o cargo
em quase 200 anos de existência da Câmara dos Deputados. "Recebi a notícia
com muita felicidade. Naquele momento, nós estávamos fazendo História",
lembra em entrevista por telefone ao HuffPost Brasil. "Para nós,
indígenas, nunca foi fácil. Todas as nossas conquistas foram resultado de muita
luta. Minha eleição foi mais uma delas."
Wapichana, que ela carrega no nome, representa sua origem e
a cultura de seu povo — que tem cerca de 13 mil indivíduos e vive no vale do
rio Tacutu, região de serras mais a leste de Roraima.
Esta é a segunda vez que um indígena chega à Câmara dos
Deputados. O primeiro foi Mário Juruna, pelo PDT (Partido Democrático
Trabalhista), em 1982. "Eu nasci para morrer, eu nasci para brigar. Não
nasci para ser expulso. Porque estou dentro do Brasil que é do índio... Eu
nasci para isso", disse Juruna, em discurso na Câmara em 1982. Ele morreu
aos 58 anos, em decorrência de diabete crônica.
Nos próximos 4 anos de mandato, Wapichana enfrentará um
Congresso conservador, já que as frentes parlamentares evangélica, ruralista e
da segurança se fortaleceram nestas eleições. Em contrapartida, contará com um
número maior de mulheres: neste ano, elas passaram a ocupar 15% das cadeiras,
contra 10% de deputadas eleitas em 2014. "É o que eu sempre falo para as
mulheres nas reuniões ou em assembléias que fazemos nas aldeias: o que está
faltando na política é a nossa participação, quem sabe a gente não melhora
aquele Congresso Nacional lá, né?", aponta.
Todas as nossas conquistas foram resultado de muita luta; a
minha eleição, também.
Em 2019, a Câmara dos Deputados contará com 77 parlamentares
do sexo feminino, do total de 513, de acordo com dados finais da Justiça
Eleitoral, e Joênia está entre elas. Em 2014, eram 51 parlamentares. Já no
Senado, 7 representantes femininas tiveram vitória nas urnas neste ano. É o
mesmo número de eleitas em 2010, última eleição para duas vagas na Casa. Em
2014, onde cada estado tinha uma vaga na disputa, outras 5 ganharam o pleito.
"O princípio que a gente traz muito desde criança é o
da coletividade (...). A mulher indígena até deixa de comer para fazer que seus
filhos comam. É a mesma coisa na política: você tem que enxergar que todos
estão em situação de igualdade, mesmo com suas diferenças. Essa visão, de quem
enxerga a todos, é uma visão da mulher, que não fica criando grupinhos,
privilegiando uns ou outros", afirma Wapichana.
E não é de hoje que Wapichana espalha a ideia de
coletividade e se coloca como representante de um povo: ao lutar pela
homologação que definiu os limites contínuos da reserva Raposa Serra do Sol, em
2008, ela acumulou o título de primeira mulher indígena a fazer uma sustentação
oral no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal). Ao iniciar sua fala, ela
marcou seu lugar ao afirmar que seria, naquele momento, "a voz de todos os
índios na mais alta Corte do Brasil".
Somos capazes de ser protagonistas da nossa própria
história.
Até então ela não aspirava a uma candidatura. Mas isso não
significa que, enquanto mulher indígena, ela não fizesse uma defesa política e
ativa pelos direitos de seu povo. Para levar seu ativismo a outro patamar, ela
escolheu o campo do direito para estudar. Wapichana é a primeira mulher
indígena formada em Direito no Brasil. Em 1997, ela concluiu seus estudos na
Universidade Federal de Roraima (UFRR). Ela também é mestre pela Universidade
do Arizona, nos Estados Unidos.
Hoje, 10 anos depois de defender os interesses de seu povo
na Suprema Corte brasileira, seu nome foi escolhido como representante em uma
assembleia geral dos povos indígenas de Roraima. "A política está inserida
em tudo. E, realmente, eu já fazia política. Isso para mim não é novo... Agora
eu acho que vou conseguir lutar de forma concreta por mudanças", afirma ao
HuffPost Brasil.
Sua candidatura foi apresentada durante plenária do
Acampamento Terra Livre 2018, no fim de abril, em Brasília. "Eles
avaliaram que nós tínhamos que contar com essa participação, e que eu era o
nome preparado para levantar as questões indígenas no Congresso... Eu entendo
isso [a eleição] como o começo de uma grande batalha que temos aí pela
frente", sublinha.
A partir desta indicação, filiou-se à Rede Sustentabilidade,
juntou-se ao movimento RenovaBR e fez campanha com cerca de R$ 172 mil (do
Fundo Partidário, recebeu R$ 150 mil e os outros cerca de R$ 22 mil foram
coletados por meio de um financiamento coletivo na internet).
Eu fiquei muito agradecida porque consegui levantar uma
bandeira que é de todos, não só dos indígenas.
Após o resultado das urnas, a Funai (Fundação Nacional do
Índio) divulgou uma nota em que afirma que o resultado representa uma conquista
não só "para os povos originários, mas para todas as mulheres do
Brasil". E Wapichana concorda, adicionando que acredita que sua eleição
também se deve aos votos de "não-índios":
"Eu provei a minha capacidade. Nós somos capazes de nos
defender, de buscar nosso espaço, somos capazes de ser protagonistas da nossa
própria história. Nas ruas, após as eleições, pessoas me cumprimentaram e
disseram: 'você é indígena, e por isso votamos em você!'. Isso me surpreendeu;
eu fiquei muito agradecida porque consegui levantar uma bandeira que é de
todos, não só dos indígenas."
As propostas de Joênia Wapichana
Entre os projetos que a parlamentar eleita pretende
apresentar em fevereiro de 2019, assim que assumir seu mandato, está o Estatuto
dos Povos Indígenas que, segundo ela, "está engavetado há anos".
"Vou usar o meu mandato de uma forma que eu consiga expressar a minha
crítica, a minha visão para justamente combater esse olhar [da bancada
ruralista]. É algo que eu nunca entendi, de fora, por que não foi para frente.
Agora eu vou ter a oportunidade de fazer que isso seja encaminhado."
A proposta do Estatuto dos Povos Indígenas tramita no Senado
Federal (PLS nº 169/2016) desde 2016, e contempla quase 200 artigos sobre os
princípios básicos de garantia de cidadania aos povos indígenas como a proteção
social, cultural, territorial e jurídica, além da igualdade.
A advogada também cita que entre suas bandeiras estão a
reforma política e a busca por uma solução que garanta o abastecimento
energético para Roraima. "Não vai ser fácil. A gente vê uma série de
discussões de energia. Mas não se pergunta: energia para quê? Para quem? Quem
faz essa conta? Em outros países existem energias mais limpas do que advindas
de hidrelétricas. E por que o Brasil não pode investir nisso?", questiona.
Texto e imagens reproduzidos do site: huffpostbrasil.com
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