segunda-feira, 19 de julho de 2021

Muito cedo para bater bumbo

Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 17 de julho de 2021

Muito cedo para bater bumbo

Pelas condições de vida, somos um país paupérrimo e obscenamente desigual. Artigo de Bolívar Lamounier, publicado pelo Estadão:

A indagação que paira sobre as nossas cabeças é se o nosso trenzinho caipira começou, finalmente, a subir a serra, ou se prossegue em seu patético desnorteio, descambando rumo ao abismo.

As últimas semanas trouxeram duas notícias alvissareiras. Primeiro, a de que o impulso do agronegócio tende a dinamizar o crescimento econômico nos próximos meses, a ponto até, quem sabe, de estimular a entrada de investimentos estrangeiros. Segundo, a última pesquisa eleitoral do Datafolha ofereceu claras indicações de que as urnas mandarão o sr. Jair Bolsonaro de volta ao lugar de onde nunca devia ter saído.

Chamar de “trenzinho caipira” um país com um agronegócio poderoso pode soar como um atrevimento. É como chamar de “carroça” a nona ou décima maior economia do mundo. Pelo critério do volume absoluto, não há dúvida, podemos sair por aí batendo nosso bumbo caipira. Mas em seguida precisamos examinar a renda anual por habitante, a catastrófica situação do nosso sistema de ensino, o desempenho de, no mínimo, 30% dos indivíduos com mais de 15 anos, já praticamente vitimados pela sentença de morte do analfabetismo funcional. No tocante ao saneamento – e não precisamos retomar aqui o tema da covid-19 –, sabemos que quase metade dos domicílios continua sem ligação com a coleta pública de esgotos.

Ou seja, pelo ângulo das condições de vida, não há o que discutir. Somos um país paupérrimo e obscenamente desigual.

Neste ponto, cumpre-nos retomar o indiscutível sucesso do agronegócio. Por vigoroso que seja, um processo de crescimento centrado num só setor, sem diversificação, dificilmente nos proporcionará a desejada elevação do piso social a um nível razoável e a redução das desigualdades. Podemos construir um país riquíssimo para 10% ou 20% da população, mas os restantes 90% ou 80% legarão a seus descendentes a mesma triste condição em que lhes foi dado viver. Diversificar como, num país que não consegue impulsionar a pequena empresa, que não se notabiliza pelo desenvolvimento de tecnologias e tem em seu seio um mar de semianalfabetos?

A confirmar-se o cenário eleitoral entreaberto pela pesquisa do Datafolha, e tendo em conta a notória inapetência dos partidos de centro, Lula subirá novamente a rampa do Planalto no dia 1.º de janeiro de 2023 e lá permanecerá p or mais oito anos. Isso é bom ou ruim? Difícil dizer com tanta antecipação, pois Lula não é um, são vários. Há o Lula demagogo, mentiroso, leniente com a corrupção, que imagina resolver os problemas sociais do Brasil apenas com transferências de renda, e há o Lula esperto, afeito ao jogo político, capaz de entender o xadrez das negociações. O que decididamente não lhe convém é pensar que tirará de letra os problemas de seu eventual retorno à Presidência. O Brasil será quase tão pobre como é hoje, as desigualdades serão as mesmas, e será um país muito mais rancoroso, muito menos disposto a comprar suas tiradas de palanqueiro.

A tragédia que se seguiu ao retorno de Getúlio Vargas em 1950 é um paralelo que não deve ser esquecido. O personagem central era o mesmo, mas as condições que ele encontrou pouco tinham que ver com as de seu tempo de ditador.

Cabe aqui mais uma palavra sobre a caricata figura de Jair Bolsonaro. Do desconsolo de sua passagem pela Presidência só consigo extrair um ponto positivo: que desta vez a reforma política entre realmente na agenda política do País. E que se estabeleça, desde já, sem tergiversação, esta premissa básica: reforma política é assunto sério demais para ser deixado sob a responsabilidade apenas dos parlamentares e demais agentes políticos sediados em Brasília. Contribuições e pressões de fora para dentro: eis o nome do jogo. De elites preguiçosas o Brasil já teve o suficiente.

A pedra de toque da reforma política é, sem dúvida, a engrenagem formada pelo sistema de governo (presidencialismo ou parlamentarismo) e pelo sistema eleitoral. É fácil prever que certos interesses e certa malta de ignorantes esgrimirá mais uma vez o argumento de que o parlamentarismo não condiz com uma suposta constante de nossa História: a mística devoção à figura do “chefe” e um irresistível desejo de obedecer. Nessa linha de raciocínio, só esse “chefe” pode conferir estabilidade e consistência ao exercício do poder. Essa tese é continuamente esgrimida por uma parcela da classe política que deve ter passado por um surto de amnésia e dele não conseguiu se recuperar.

Nunca é demais lembrar que, além de Getúlio e João Goulart, derrubados, o processo sucessório presidencial passou por turbulências durante os 21 anos do governo militar, deixando entrever fendas graves mesmo entre a alta oficialidade das Forças Armadas. Relembro, a propósito, a pitoresca demissão do ministro do Exército general Sylvio Frota, que sabidamente tramava alguma ação heterodoxa contra o general-presidente Ernesto Geisel. Convocado ao palácio, Frota esboçou uma reação, mas ouviu do general Geisel uma resposta concisa: “O cargo é meu”.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com

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