Publicação compartilhada do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 17
de julho de 2021
Muito cedo para bater bumbo
Pelas condições de vida, somos um país paupérrimo e
obscenamente desigual. Artigo de Bolívar Lamounier, publicado pelo Estadão:
A indagação que paira sobre as nossas cabeças é se o nosso
trenzinho caipira começou, finalmente, a subir a serra, ou se prossegue em seu
patético desnorteio, descambando rumo ao abismo.
As últimas semanas trouxeram duas notícias alvissareiras.
Primeiro, a de que o impulso do agronegócio tende a dinamizar o crescimento
econômico nos próximos meses, a ponto até, quem sabe, de estimular a entrada de
investimentos estrangeiros. Segundo, a última pesquisa eleitoral do Datafolha
ofereceu claras indicações de que as urnas mandarão o sr. Jair Bolsonaro de
volta ao lugar de onde nunca devia ter saído.
Chamar de “trenzinho caipira” um país com um agronegócio
poderoso pode soar como um atrevimento. É como chamar de “carroça” a nona ou
décima maior economia do mundo. Pelo critério do volume absoluto, não há
dúvida, podemos sair por aí batendo nosso bumbo caipira. Mas em seguida
precisamos examinar a renda anual por habitante, a catastrófica situação do
nosso sistema de ensino, o desempenho de, no mínimo, 30% dos indivíduos com
mais de 15 anos, já praticamente vitimados pela sentença de morte do
analfabetismo funcional. No tocante ao saneamento – e não precisamos retomar
aqui o tema da covid-19 –, sabemos que quase metade dos domicílios continua sem
ligação com a coleta pública de esgotos.
Ou seja, pelo ângulo das condições de vida, não há o que
discutir. Somos um país paupérrimo e obscenamente desigual.
Neste ponto, cumpre-nos retomar o indiscutível sucesso do
agronegócio. Por vigoroso que seja, um processo de crescimento centrado num só
setor, sem diversificação, dificilmente nos proporcionará a desejada elevação
do piso social a um nível razoável e a redução das desigualdades. Podemos
construir um país riquíssimo para 10% ou 20% da população, mas os restantes 90%
ou 80% legarão a seus descendentes a mesma triste condição em que lhes foi dado
viver. Diversificar como, num país que não consegue impulsionar a pequena
empresa, que não se notabiliza pelo desenvolvimento de tecnologias e tem em seu
seio um mar de semianalfabetos?
A confirmar-se o cenário eleitoral entreaberto pela pesquisa
do Datafolha, e tendo em conta a notória inapetência dos partidos de centro,
Lula subirá novamente a rampa do Planalto no dia 1.º de janeiro de 2023 e lá
permanecerá p or mais oito anos. Isso é bom ou ruim? Difícil dizer com tanta
antecipação, pois Lula não é um, são vários. Há o Lula demagogo, mentiroso,
leniente com a corrupção, que imagina resolver os problemas sociais do Brasil
apenas com transferências de renda, e há o Lula esperto, afeito ao jogo
político, capaz de entender o xadrez das negociações. O que decididamente não
lhe convém é pensar que tirará de letra os problemas de seu eventual retorno à
Presidência. O Brasil será quase tão pobre como é hoje, as desigualdades serão
as mesmas, e será um país muito mais rancoroso, muito menos disposto a comprar
suas tiradas de palanqueiro.
A tragédia que se seguiu ao retorno de Getúlio Vargas em 1950 é um paralelo que não deve ser esquecido. O personagem central era o mesmo, mas as condições que ele encontrou pouco tinham que ver com as de seu tempo de ditador.
Cabe aqui mais uma palavra sobre a caricata figura de Jair
Bolsonaro. Do desconsolo de sua passagem pela Presidência só consigo extrair um
ponto positivo: que desta vez a reforma política entre realmente na agenda
política do País. E que se estabeleça, desde já, sem tergiversação, esta
premissa básica: reforma política é assunto sério demais para ser deixado sob a
responsabilidade apenas dos parlamentares e demais agentes políticos sediados
em Brasília. Contribuições e pressões de fora para dentro: eis o nome do jogo.
De elites preguiçosas o Brasil já teve o suficiente.
A pedra de toque da reforma política é, sem dúvida, a
engrenagem formada pelo sistema de governo (presidencialismo ou
parlamentarismo) e pelo sistema eleitoral. É fácil prever que certos interesses
e certa malta de ignorantes esgrimirá mais uma vez o argumento de que o
parlamentarismo não condiz com uma suposta constante de nossa História: a
mística devoção à figura do “chefe” e um irresistível desejo de obedecer. Nessa
linha de raciocínio, só esse “chefe” pode conferir estabilidade e consistência
ao exercício do poder. Essa tese é continuamente esgrimida por uma parcela da
classe política que deve ter passado por um surto de amnésia e dele não
conseguiu se recuperar.
Nunca é demais lembrar que, além de Getúlio e João Goulart,
derrubados, o processo sucessório presidencial passou por turbulências durante
os 21 anos do governo militar, deixando entrever fendas graves mesmo entre a
alta oficialidade das Forças Armadas. Relembro, a propósito, a pitoresca
demissão do ministro do Exército general Sylvio Frota, que sabidamente tramava
alguma ação heterodoxa contra o general-presidente Ernesto Geisel. Convocado ao
palácio, Frota esboçou uma reação, mas ouviu do general Geisel uma resposta
concisa: “O cargo é meu”.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi.blogspot.com
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