segunda-feira, 7 de abril de 2025

"A Saga do Cinema Brasileiro", por Fernando Gabeira


Artigo compartilhado do site do GABEIRA, de 7 de abril de 2025 

A Saga do Cinema Brasileiro
Por Fernando Gabeira (In Blog)

O sucesso de “Ainda estou aqui” foi um grande momento: festa na mídia, nas redes e até no carnaval. Agora, vale a pena perguntar como encaramos o filme. Um relâmpago em céu azul ou sinal de maturação do nosso cinema? Se optarmos pela segunda hipótese, é necessário ir adiante: o que fazer para explorar a oportunidade aberta pelo Oscar? Não creio que o tema tenha entrado na pauta.

O Oscar tem sido o critério com que julgamos nossos êxitos. Mas o cinema brasileiro, há muitos anos, tem excelente desempenho nos festivais europeus. A importância de um bom cinema é indiscutível. Ele fortalece nossa identidade, projeta nossa cultura e até ajuda nossos produtos. O domínio cultural americano surgiu também na esteira de Hollywood (turismo, paisagem, blue jeans, comida, fast-food, sonho americano, idioma inglês). O cinema é uma ferramenta do soft power.

A maior iniciativa de apoio ao cinema brasileiro nasceu no período militar: a Embrafilme, que, além de financiar, distribuía os filmes. Nos Anos de Chumbo o cinema brasileiro era onde matávamos a sede de debates. Íamos ao Cine Paissandu, e alguns filmes brasileiros, como “Terra em transe”, de Gláuber Rocha, produziram discussões memoráveis.

Com o tempo, os filmes intelectualizados deram lugar a outros mais populares. Cada um dos diretores contribuiu com a nova fase: Leon Hirszman fez “Garota de Ipanema”; Joaquim Pedro de Andrade, “Macunaíma”; Nélson Pereira dos Santos, “Como era gostoso o meu francês”. Domingos de Oliveira fez “Todas as mulheres do mundo”. A mesma geração que sustentou o debate preparou o trânsito para um momento mais leve e comercialmente viável.

O cinema brasileiro já disputou quatro vezes o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. A primeira vez com “O pagador de promessas” (Anselmo Duarte) em 1963; a segunda com “O quatrilho” (Fábio Barreto) em 1996; em seguida com “O que é isso, companheiro?” (Bruno Barreto) em 1998; e “Central do Brasil” (Walter Salles) em 1999. E ganhou com “Ainda estou aqui”, indicado entre os melhores, inclusive americanos.

Há alguns meses houve uma retrospectiva de filme brasileiro em Nova York, no Lincoln Center. No dia 24 de abril, em Londres, haverá outra. São retrospectivas concentradas na produção da L.C. Barreto, uma empresa singular no mundo, com mais de 60 anos no ramo. Há filmes como “Bye Bye Brasil”, de Cacá Diegues; “Terra em transe”, de Gláuber Rocha; e “Vidas secas”, de Nélson Pereira dos Santos; discutidos em inúmeros artigos e ensaios pelo mundo. Foram incluídos entre os cem melhores filmes de todos os tempos pela revista inglesa Sight and Sound.

É preciso pedir ao governo bom uso da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), taxa criada por João Paulo dos Reis Velloso, ministro do Planejamento de Ernesto Geisel. Ela é paga pelos profissionais e empresas que operam na indústria cinematográfica. A Condecine fatura mais de R$ 1 bilhão por ano. O destino da verba: indústria cinematográfica. Isso é garantido por meio das políticas de fomento desenvolvidas pela Agência Nacional do Cinema. No entanto, se parte desse montante não for usado, o que acontece com frequência, por descaso da instituição que administra o repasse, o valor cai nos cofres do governo e é usado noutros setores, prejudicando a cadeia de produção do cinema brasileiro.

A imprensa poderia dar um pouco mais de espaço ao cinema, mas a própria indústria, por meio do sindicato, tem de estar presente nas redes sociais. No Congresso, é preciso criar um grupo de apoio ao cinema nacional. Empresas poderiam promover a exibição de filmes brasileiros em escolas, com a presença de atores. Nada disso está acontecendo, mas creio que Lucy Barreto — que, aos 92 anos, viaja pelo mundo promovendo o cinema brasileiro — poderia ser ouvida para a criação desse movimento.

Finalmente, um grande problema: cinemas de rua foram para os shoppings, ficaram caros demais para nosso povo. O debate é necessário: como explorar nossa riqueza cultural?

Texto e imagem reproduzidos do site: gabeira com br

A psicanálise e o discurso de Jair Bolsonaro | por Christian Dunker

sábado, 5 de abril de 2025

'Uma espicação necessária!', por Odilon Machado

Articulista Odilon Cabral Machado

 Artigo compartilhado do blog INFONET, de 4 de abril de 2025

Uma espicação necessária!
Por Odilon Machado (do blog infonet)

Martin Heidegger, o grande filósofo alemão de “Ser e Tempo”, foi execrado pelas eternas patrulhas ideológicas, por ter sido o Magnífico Reitor da Universidade de Freiburg no ano de 1933.

Para os enviesados da História, no ano de 1933 não se vivia na Alemanha uma euforia, quase unânime, com o governo de Adolf Hitler.

Naquele ano, difícil era encontrar um opositor ao Nazismo, chame isso erro, ilusão coletiva, loucura mesmo, afinal aquele regime, apoiado por vasta aprovação germânica, iria cometer tantos delitos, que ninguém se via assim, a ponto de evitar a erupção, seis anos depois, daquele grande conflito que ficou conhecido como 2ª Grande Guerra.

Conflagração em que a Alemanha se jogou e perdeu e, como todo perdedor, terminou acusada de infinitos erros denunciados, não faltando aqueles sempre constantes; canalhas e pusilânimes, a perseguir os caídos e decaídos, aqueles que, culpados ou não, mereciam todos os opróbios, afinal muito poucos e raros não estiveram no cerne do regime Nazista, agora excessiva e universalmente execrado, como se tal regime derrubado nunca o fosse tão seu, de todos os Alemães em canto patriótico, e do seu apoio nas urnas, enquanto sufrágio acontecido; equivocado ou não.

Os que viveram naqueles tempos sombrios viram muitas dessas ações indecorosas, ainda hoje relatadas na ficção e na realidade, seja na Alemanha subjugada pelo exércitos aliados, presenciando o Julgamento cinematográfico de Nuremberg, seja na França de Vichy; colaboracionista, com Philippe Pétain, Pierre Laval e outros da sua rama; e muito além por outras tramas e cenários onde o homem erra e vagueia, afinal no campo dos desvios coletivos, os deslizes individuais são acoitados e escoimados, em compungidas inocências pessoais, sempre exaltadas, com os seus eventuais agentes, na ânsia de se escafederem de uma eventual culpa comum, que fora tão ampla, quanto geral e irrestrita, passassem a constituir e a procurar um “bode expiatório” necessário, por conveniente, para ser sacrificado, no altar da inocência comum, por expiação coletiva .

Nesse contexto expiatório, uso o sacrifício do bode, por prática comum dos Israelitas desde os tempos antanhos de Moisés, porque assim era conduzido um animal ao deserto, a fim de ali ser sangrado ritualmente, com o seu sangue depois sendo aspergido à multidão de fiéis, como paga de pecados eventualmente cometidos, sendo o próprio Jesus, o Cristo, por extensão posterior, o cordeiro sacrificial ideal, vindo ao mundo e assim ter sido feito homem, para exclusivamente promover a remissão dos pecados da humanidade de ontem e de sempre.

Ou seja: este ritual do “Bode Expiatório”, por sua origem religiosa, é convenientemente utilizado pelos homens em suas faltas e omissões, bem valendo aquela verve ocorrida numa reunião de fiéis onde um capote desapareceu, e nesse argumento comum do que não sabe ou daquele que nada viu, valeu por final a conclusão inerme: “todo mundo é bom, mas só o meu capote é que não aparece!”

De modo igual, quando o caldo engrossa e depois amolece; o valente fraqueja, o herói bem moleja e o safado; este moteja!

E o canalha, sempre ele, pior vareja, como mosca peçonhenta; varejeira, zumbindo muito e zoando sempre torpe em sua larva perniciosa.

Uma canalhice igual bem sofreu Martin Heidegger, o mestre de “Sein und Zelt”, porque para estes insaciáveis “caçadores de bruxas”, o mestre de Freiberg fora poupado de exibir-se no pelourinho de Nuremberg, onde foram julgados os, mais que perigosos, criminosos nazistas.

Nesse contexto de perseguição indecorosa, explicito três obras, uma a favor e outra contra: “Heidegger e o Nazismo” de Victor Farias, “Heidegger Réu; Um Ensaio Sobre a Periculosidade da Filosofia” de Zeljko Loparic, e “Heidegger; um mestre da Alemanha entre o bem e o mal” de Rüdiger Safranski, e também o texto laudatório “Martin Heidegger faz oitenta anos”, de sua aluna e ex-namorada, Hannah Arendt, incluído na sua notável coletânea biográfica: “Homens em Tempos Sombrios”, onde a filosofa de Eichmann em Jerusalém e A Condição Humana, merece ser citada por ser judia, o que em princípio se poderia pensar uma resistência maior em termos da grande acusação a Martin Heidegger, por ter servido ao regime nazista,

Estribo-me na denunciação caluniosa a Martin Heidegger, porque “mutatis mutandis”, no Brasil não vingou um regime tão “brando” como o nazista, porque alguns historiadores, apoiados em infindas Comissões de Verdade, afirmam que aqui vigeu um regime bem pior na Ditadura Militar, por vasta hemorragia ainda não de todo contida, nem suficientemente bem carpida!

E é sobre tal denunciação ignominiosa que eu pretendo falar de um profanação à lápide de meu pai, meu velho e querido pai, Manoel Cabral Machado, meu ídolo maior e meu melhor exemplo, como cultor da ética e da moral, ele que viveu longos anos, quase 92 anos, uma bênção divina!, sendo luminar arquétipo irretocável na família, na política (picadeiro onde a ética pouco vinga num território difícil, onde bem mais ampla é a picaretagem ali vigente), na academia, por melhor aragem e terreno, contribuindo com o seu exemplar respeito e sua tenaz proficiência, enquanto cultor do saber, perante o jovem sempre sequioso do conhecimento, que são as eternas carências e os infindos desejos da humanidade; homem ou mulher; e na cidadania, junto aos seus contemporâneos nas urbes e orbes que a vida o conduziu.

Viver, porém, é difícil!

E se viver é difícil, em tempos medíocres, morrer também o é, afinal não vale muito o célebre conselho latino “De mortuis nil nisi bene”

Porque em tempos canalhas, é possível até profanar os jazigos onde todo ser humano tem o seu derradeiro e necessário descanso.

Porque em tempos canalhas, sobremodo, tudo vale, tudo voga, valendo sempre aquele velho aforismo francês de Beaumarchais: “Calomnié, calomnié; il reste toujours quelque chose”. Caluniai, caluniai; alguma coisa sempre irá ficar.

Interessante é que nada sobra ao caluniador no seu espelho. Nem para sua própria vergonha!

Como garimpar alguma honra naquele que não a possui?

Como lhe escoimar algo que lhe seja melhor do que a sua proto-secreção do seu percevejo interior?

Percevejo, que suga o sangue dos homens, tentando retirar do plasma inerente às hemoglobinas e hematócritos, sobretudo daqueles grandes homens, em cor viva sobranceira e em vasta seiva rediviva e oxigenante, afinal só os homens gigantes bem perfumam o seu entorno, até para servir de repasto a tantos contumazes parasitos.

Mas, como não é possível lhes extirpar do ataque o seu contamino, e por agirem solertes, picando e infectando, sem que se possa previamente preveni-los, vale no pós assalto ferretear-lhes na testa, denunciando o seu maledicente semeio, sobretudo no livre opinar irresponsável, daquele que nada constrói que seja comum ao seu entorno, algo de bom e admirável!

E nesse desconstruir criminal por historial, em que vale tudo até a profanação dos jazigos, as hienas o fazem melhor, pelo menos, buscando mera carcaça, por sôfrego alimento, apenas!

Não foi o caso deste propenso violador da tumba de meu pai, onde ali descansa na companhia humilde de seus contemporâneos, Campo Santo, derradeiro abrigo de muitos negros escravos, gente humilde trabalhadora, na Vila Pedras em Capela.

Mas, nem nos jazigos os bem validos estão isentos dos ataques solertes daqueles François Ravaillacsque tentam até no além da morte, sacar o seu punhal sicário para retirar da vida sem lhes conseguir retirar a honra, de meu pai, Manoel Cabral Machado, como foi o caso do Grande Rei Francês, Henry IV, para quem “Paris vaut bien une messe”, e sobretudo, pelo seu audaz denodo de assinar o “Edito de Nantes”, tentando pacificar católicos e protestantes numa França conflituada, igual ao Brasil, nessas horas e no agora, sofrendo no reio e na peia nos Calabouços da Nossa República, tantos justiçados e justiciados, impiedosa e criminalmente, pela baderna, porque foi uma bagunça apenas, do batom, da bola de gude ou de marraio, e das vitrinas estilhaçadas, sem ferir ninguém no 8 de Janeiro, crime mais que achado, desviado e manipulado como uma “infâmia” similar ao ataque japonês a Pearl Harbour, por quem bem valeu bombardear depois Hiroshima e Nagasaki, e porque aqui no Brasil os ódios tem que vingar eternos, e para tanto ser gritado e esgoelado; o grito de “Não a Anistia”, agora vivamente ressurgido, afinal os intolerantes são de outra verve, mas da mesma cepa canalha.

Porque a intolerância, toda ela é delirante.

E é ai que eu estou a lembrar de meu pai, Manoel Cabral Machado, enquanto Secretário de Educação e Cultura de Sergipe, nos idos de 1964, tendo que convencer Comandantes Militares, que estribados em sua marcial ignorância e intolerância, queriam expulsar alguns colegas meus e amigos do Colégio Estadual de Sergipe, o antigo Atheneu , por atividades que àqueles oficiais  cavalariços o eram consideradas perigosas, a merecer, inclusive, o atrabiliário derramamento de sangue, obtendo de meu pai, um Professor apenas, a necessária oposição, usando palavras que se perderam como bem deve ser quando os seus efeitos bem conduzem ao arrefecimento necessários dos arroubos: “General, coronéis, capitães”, seja ; lá a quem foi dirigida a peroração apaziguadora: “Por causa de seguidos derramamentos de sangue, a França restou uma nação até hoje dividida, com os seus ódios se eternizando”.

Cabral Machado era um homem conhecedor sobremodo dos excessos cometidos de parte a outra nas diversas revoluções cantadas por Victor Hugo em “Les Miserables” e em  “Quatre Vingt Treize” , onde o Terror tinha seis personagens principais Danton, Marat e Robespierre dialogando, entre fatos e entreatos de Lantenac, personagem fiel ao Rei Luís Capeto, Cimourdain, um ex-padre que se tornara implacável gênio da revolução, e outros combatentes como Gawain, todos findando com o pescoço aparado da cabeça pelo Couteau, a republicana navalha, que a tudo redimiria. E na mesma vertente relembrada no ensaio “Souvenirs”, ou “Memórias de 1848” de Alexis de Tocqueville, o grande pensador da democracia republicana.

Cabral Machado, como tudo em sua vida, estava sempre a conciliar os espíritos beligerantes, afinal sempre campeara na política partidária, pertencente às hostes do Partido Social Democrático, o PSD,sendo Deputado Estadual notável por três legislaturas, debatendo ora como líder do Governo Arnaldo Garcez, ora na oposição difícil aos Governos de Leandro Maciel e Luiz Garcia, tendo, os anais daquela casa legislativa gravando e imortalizando suas palavras debatendo com grandes tribunos daquela época como José de Carvalho Deda, o avô do futuro Governador Marcelo Deda e de João de Seixas Dória, aquele que seria depois o Governador dos sergipanos e que vingou cassado e apeado do poder pelo Regime Autoritário de 1964.

Cabral Machado, que fora um percuciente operador do Direito Criminal na Defesa do Juri, inclusive  conflitando ideias e argumentos com Paulo Costa, enquanto Promotor Público exímio de destemida inteligência, pai do não menos valoroso, Luiz Eduardo Costa, dono da melhor escrita na atual imprensa sergipana.

Cabral Machado que fora fundador de quatro Instituições de Ensino Superior em Sergipe: Faculdade de Ciências Econômicas, Faculdade De Direito, Faculdade de Filosofia e Faculdade de Serviço Social, núcleos iniciais da nossa Universidade Federal Sergipe.., que àquele tempo não existia.

O Professor Cabral Machado não estava naquele momento trevoso na arena, nem para fugir dos arroubos, nem para se somar aos insanos desejos de sangria, que tantos queriam com a expulsão pura e simples daqueles jovens, tidos e havidos como figuras altamente perigosos…

E eu, que era um estudante também, nunca os contemplara assim, tão vis e perigosos, afinal eram meus colegas e meus amigos, sendo eu um dos seus admiradores, por sua capacidade de luta e liderança.

Não, o Professor Manoel Cabral Machado, não era um homem de quem se esperaria os golpes sicários para o abate dos adversários, até porque aqueles amigos e colegas de seu filho, eu, não mereciam a mínima repreensão disciplinar.

Mas aqueles tempos eram belicosos e rancorosos, não faltando os eternos espíritos miúdos a ensejar perseguições. Igual agora aos que em outros encantos sem pejo ou nojo, se esgoelam como lobos hidrófobos: “Não a anistia! Não a anistia! Não a anistia!!!” Porque a intolerância é a mesma. Apenas mudou de cor e de lado!

Todavia, Cabral no seu lado único, almejava desfazer o nó górdio intolerante, da Direção do Colégio Atheneu  e dos Comandantes Militares de então, querendo exemplarmente expulsar os alunos, prejudicando-os ao longo da vida e do Governo Estadual que bem queria encontrar uma solução conciliatória que arrefecesse e amainasse os ânimos.

E é aí que o articulista profanador do sepulcro de Cabral Machado, desancando a sua figura e a do Governador Celso Carvalho, queria que ambos fossem mais heróis do que a estupidez o permitiria, e aproveitasse o momento para duelar contra os militares, repelindo com armas inúteis o arbítrio que se iniciava.

Segundo o inábil pensar do articulista miúdo que a tudo falseou e escreveu, o Vice-Governador Celso Carvalho deveria se recusar a ocupar o poder esvaziado com a Cassação posterior do Governado Seixas Dória, denunciando o Golpe e atraindo para si toda a sua oposição, ou sendo mais uma peça inútil de dominó a ser varrido, a preencher o Presídio da Ilha do Diabo, que virou o Arquipélago de Fernando de Noronha.

Quanto a Cabral Machado, este deveria ir bem além das suas forças, para atiçar a hemorragia pretendida, apresentando até o próprio pescoço em oferecimento exemplar inútil para aquela sangria, porque o Golpe Militar viera para vingar, e estava, ó terrível heresia!, estava amplamente aplaudido pelo povo em expressiva maioria, embora loucos e moucos disso duvidem ainda, em recalcitrância continuada.

E foi nesse mister difícil a dirimir, que Cabral Machado, longe das guerras e das discordâncias enquanto homem de paz e de conciliação, restou como fora também o Governador Celso Carvalho, homens providenciais e necessários,  naquele momento, para evitar o erro, e conciliar a família sergipana, porque daí uma transferência dos alunos perseguidos fora negociada, satisfazendo ambas as partes que pareciam inconciliáveis, permitindo a aqueles jovens continuarem os seus estudos e preservarem a história comum de cada um, alguns continuando os estudos em Colégios Particulares, inclusive, com destaque para o Padre José Carvalho de Souza, que os recebeu no seu amparo terno de oração e aconselhamento no então nascente Colégio Arquidiocesano Sagrado Coração de Jesus.

Hoje tudo é memória e nada pode ser modificado, mesmo com a violação das carneiras…

Da História, um dia dissera Napoleão Bonaparte: “L’histoire que Napoléon définissait comme «un mensonge qu’on ne conteste plus » ne peut rien nous apprendre dans cette matière. Sinon pourquoi répéterionsnous inlassablement les mêmes erreurs?”

Mais si les mensonges existent, qu’en est-il des menteurs, des faussaires et des imposteurs ? Que Dieu nous délivre d’eux, même de ces pilleurs de tombes.

Quanto a mim, por prova pessoal testemunhal só minha própria, sempre vi o Professor Manoel Cabral Machado sendo acolhido e admirado como Mestre , até por esses jovens injuriados e injustiçados, que anos depois lhe foram seus discípulos na antiga Faculdade Direito da nossa UFS, continuando meus amigos, até porque nada merecia ser diferente.

No mais e só para relembrar, sempre vi em meu pai, um homem de letras e de muito estudo, debatendo inclusive em muitos cenários, no Recife, por exemplo, com Nelson Saldanha, Vamireh Chacon e Luiz Antônio Barreto, na Bahia, com Josaphat Marinho, e também com Gilberto Freire, Miguel Reale, o pai, Antonio Paim e Paulo Mercadante, em estudos Tobiáticos aqui na nossa UFS ,e fora daqui, sendo examinador de banca concursal da UFBA, do precocemente falecido jurista Machado Neto, afinal meu pai gostava de tecer argumentos, nunca fugindo do livre debate e do esgrimir das palavras nos seus variados encontros, seja na Academia Sergipana de Letras, seja na “Academia Brasileira de Ciências” nos seus “Grupos de Filósofos”, “Grupos de Teólogos” e até os seus “Grupos do Terço dos Homens”, porque sempre restou um homem de fé, um “medroso perante a Igreja” ou um “papa-hóstias”, como alguns críticos assim o viam depreciativamente, sem falar que até o Governo Francês o agraciou com o titulo de “Chevalier des Palmes Académique”, honraria destinada a homenagear como membros, os eminentes divulgadores da cultura francesa.

Em outro viés, mas não se afastando do tema, dizia-se do grande polemista, Tobias Barreto de Menezes, que “um gigante se conhece pela unha”.

Mais notável nesse esquadrinho ficou a quadrinha brejeira:

Quando Deus formou o mundo,

pra castigo dos infiéis

Deu ao Egito gafanhotos,

ao Brasil deu bacharéis.

Do mesmo Tobias de Escada, em notável polêmica de Religião, ficou para sempre um sujeito tão empedernido por agnóstico e pernóstico, que a grande massa de crentes e beatos o entrevia como alguém que não mereceria, jamais, a salvação divina, esquecidos, estes mal devotos, daquilo que bem se dizia em velha prece: “O felix culpa, quae talem meruere magnum Salvatorem”, ó feliz culpa que mereceu tão grande Salvador.

Como no viver de cada um sempre existem infinitos gafanhotos a desfigurar a vida e a memória daqueles de seu não agrado, divulgou-se ao tempo da morte de Tobias, que este, “in extremis”  se arrependera tanto, que chegou a requisitar um confessor; tudo mentira!

Tobias Barreto morreu como vivera, e Deus que tudo bem vê e avalia, não iria ponderar o agir de um homem, só por seu momento terminal e derradeiro de fragilidade…

Todavia, a algaravia foi tamanha com tal “conversão in extremis” de Tobias Barreto, que a própria família teve que desmenti-la às mancheias.

Ou seja; sempre haverá gafanhotos, como agora sobrou um bacharel, ou um bacharel boquirroto, para desfigurar o lavor dos grandes homens, como foi agora com meu pai, desvirtuando-o, e por pior, tentando lhe conspurcar o túmulo onde descansa merecidamente enquanto audaz guerreiro e campeador.

E eu, arriscando-me até a ser exibido hereticamente em outros cadafalsos sempre erigidos, ouso-me apresentar grosseiro e até insolente, porque na impossibilidade de extrair a morféia de tão gafanhoto bacharel escoimando-lhe  a língua corrosiva e sulfurosa com barrilha e/ou soda cáustica, que lhe preenche a boca malcheirosa e sulfídrica, ouso denunciar o biltre, sem lhe dar o direito de explicitar o seu nome. Para quê se nada vale?

Por que citar um indivíduo tão desprezível por inútil?

Vá pastar, rapaz!

Que me perdoem os meus leitores, mas era preciso espicaçá-lo.

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O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.

Texto reproduzido do site: infonet com br/blogs/odilonmachado

sexta-feira, 4 de abril de 2025

Por baixo da arrogância de Trump, há só medo mal disfarçado

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, 31 de março de 2025

Por baixo da arrogância de Trump, há só medo mal disfarçado.

Se o Império Romano desapareceu, o mesmo destino espera o império americano. João Pereira Coutinho para a FSP:

Um espectro ronda os Estados Unidos —o espectro do Império Romano. Não há filme, livro ou série de TV que não revisite Roma, sua ascensão e queda, como lição de aviso.

Os impérios são mortais, dizem Francis Ford Coppola (em "Megalópolis") e Ridley Scott (em "Gladiador 2"), para citar dois exemplos recentes. Se Roma desapareceu, o mesmo destino espera o império americano. E como desapareceu Roma?

O historiador Edward Gibbon (1737–1794) legou à posterioridade a interpretação mais influente —e mais bem escrita.

Internamente, o império foi afundando em decadência moral (o cristianismo enfraqueceu as virtudes bélicas e pagãs) e em crise econômica (campos abandonados, luxo excessivo das elites, miséria entre a plebe).

Externamente, os povos bárbaros invadiram e deram a estocada final.

Não admira que, nesses termos apocalíticos, a segunda Presidência de Donald Trump queira fazer o inverso dessas dinâmicas mortais. Fronteiras sólidas. Expulsão de estrangeiros. Autarquia econômica. Isolacionismo internacional. Só assim é possível ser grande outra vez.

Acontece que Gibbon, apesar dos seus méritos literários, estava errado, defendem Peter Heather e John Rapley em ensaio que lida com as ansiedades romanas do presente. O título é "Por que os Impérios Caem: Roma, América e o Futuro do Ocidente".

O argumento dos autores parece paradoxal, mas a história de impérios posteriores tende a confirmá-lo: os impérios declinam porque têm sucesso. Ou, melhor dizendo, o centro declina porque as periferias emergem.

Assim foi com Roma. As legiões romanas foram conquistando territórios, negociando com eles, impondo seus códigos e hábitos. Até o momento em que esses territórios enriqueceram, geraram suas elites locais e criaram alianças militares (os "bárbaros" fizeram parte dessas confederações tribais), acabando por desafiar o centro.

Além disso, o poder da península itálica foi contestado não apenas pelas extremidades emergentes mas por outras potências imperiais. Os persas, nas suas várias encarnações, contribuíram com esse processo.

A ascensão do império americano não foge a esse figurino, que também definiu a ascensão e queda de portugueses, espanhóis, holandeses ou ingleses nos seus tempos áureos, defendem os autores.

No pós-Segunda Guerra Mundial, com a Europa destroçada e o resto do mundo remetido para as margens, os Estados Unidos se impuseram como mestre de cerimônia do Ocidente.

Não foi apenas a cultura americana que se tornou hegemônica (através do cinema, da música, do estilo de vida, dos padrões de consumo etc.).

O modelo demoliberal, o capitalismo e as instituições criadas para servir a esses valores —o FMI, o Banco Mundial, a Otan etc.— tiveram na segunda metade do século 20 o mesmo papel que Roma desempenhou no seu auge, quando impunha sua lei, sua língua ou sua religião cristã (depois da conversão de Constantino).

A desagregação da União Soviética só acelerou esse processo: a "Pax Americana", tal como a "Pax Romana", cobria agora territórios que tinham estado interditados às influências de Washington.

Como acontecera com Roma, a globalização enriquecia o centro, ou parte desse centro, mas também beneficiava as periferias, suas elites, suas classes médias, suas economias emergentes. Na Ásia, na África, na América Latina.

Sem falar do ano matricial de 2001. Quando lemos essa data, pensamos nos ataques terroristas do 11 de Setembro e até acreditamos que o mundo mudou naquela manhã.

Por mais importante que seja o acontecimento, o mundo talvez tenha mudado três meses depois. A 11 de dezembro. Quando a China entrou finalmente na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O acesso preferencial do país aos mercados internacionais deslocava o eixo do poder global para fora do Ocidente. A Pérsia do século 21 falava mandarim.

A Nova Roma tremeu —e treme ainda. Por baixo da arrogância de Trump há apenas medo mal disfarçado. Washington sente que as rédeas do mundo já não estão apenas nas suas mãos.

Se a história do Império Romano nos séculos 4° e 5° d.C. ensina alguma coisa, escrevem Rapley e Heather, é que não é possível reverter o processo que o próprio império estimulou. Não é possível ser grande outra vez, se entendermos por "grande" a posição única e inconteste que os Estados Unidos tiveram nos últimos 80 anos.

Quando muito, é aconselhável aceitar a perda de poder relativo e tentar entendimentos mais abrangentes e mais justos: com os aliados, sim, mas também com os novos poderes emergentes que partilhem um núcleo de valores comuns.

No fundo, é o contrário da atitude sobranceira e hostil atualmente em cena que, ironicamente, só enfraquece ainda mais o velho império assustado.

Texto e imageem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

terça-feira, 1 de abril de 2025

Ditadura nunca mais!

Legenda da foto: Para que ninguém se esqueça! - (Crédito da imagem: reprodução da internet)

Artigo compartilhado do site FENASPS, de 31 de março de 2025

Ditadura nunca mais!

Há aquelas datas que existem para se celebrar; outras, para nos colocar em um estado reflexivo, e até mesmo aquelas que marcam tristes acontecimentos, como massacres e tragédias. O dia 31 de março, porém, é um dia para se rechaçar.

No dia 1º de abril de 1964, um grupo de militares apoiados pela agência estadunidense CIA destituiu o presidente eleito João Goulart em um golpe que impôs uma ditadura que perdurou por mais de 20 anos no Brasil. Os militares envolvidos no golpe de 64 e no subsequente regime autoritário sequestraram, torturaram e assassinaram brasileiros – paradoxalmente – “em nome da democracia” e do “Estado de Direito”.

Ainda que os apoiadores do golpe queiram cinicamente descolá-lo 1º de abril por este ser popularmente conhecido como “o Dia da Mentira“, sabemos que ainda há muito o que ser revelado, e muitas mentiras são contadas até hoje sobre este período. É fato que o Brasil empobreceu, se endividou e que a desigualdade social atingiu níveis desastrosos.

O que havia de mais retrógrado na sociedade da época se juntou na trama: militares, CIA, políticos conservadores e grandes empresários do jornalismo, como as famílias Mesquita, Marinho, e Frias, donas dos jornais Estadão, O Globo, e Folha de S. Paulo, respectivamente, que apoiaram o golpe em seu início.

Hoje, esse grupos de comunicação mudaram de tom, apoiando a democracia plural, ainda que permaneçam apoiando uma pauta, em geral, conservadora e antiprogressista. Grande parte da sociedade, inclusive, mudou de opinião quando vieram à tona as atrocidades cometidas pelos militares com a promulgação da lei que criou a Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2012.

Porém, 61 anos depois, ainda há aqueles que defendem esse período nefasto da história deste país. Por isso, o dia 31 de março é uma data para ser rechaçada, e para que se busque a punição daqueles que se envolveram nos atos bárbaros cometidos nos anos 1960 no Brasil. Ainda estamos aqui!

Para que ninguém esqueça; para que nunca mais aconteça!

DITADURA NUNCA MAIS!

Texto e imagem reproduzidos do site: fenasps org br

sábado, 29 de março de 2025

Quem é Donald Trump?

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 27 de março de 2025 

Quem é Donald Trump?

Por todas estas diversas razões fui conduzido à hipótese, não é mais do que isso, de Donald Trump poder ter sido na juventude uma das conquistas do KGB e poder ser agora um agente russo na Casa Branca. Henrique Neto para o Observador:

Já escrevi que a chegada de Donald Trump à Casa Branca virou o planeta do avesso e deixou por responder uma questão: quem é Donald Trump? Um louco ignorante? Um vendedor imobiliário inculto? Um político sem escrúpulos? Um hábil manipulador das circunstâncias? Um enviado do Diabo à Terra? Donald Trump poderá ser isso tudo, mas não chega como explicação.

Tenho pensado sobre o assunto, nomeadamente sobre quais as razões de Trump estar na prática a propor soluções para a guerra na Ucrânia que são as mais compatíveis com os interesses de Putin? Ou quais as razões de uma relação tão amistosa com o ditador russo e da sua aparente admiração por ele, ao ponto de mandar pela borda fora cem anos de políticas democráticas da grande nação norte-americana? Será isso o resultado de uma juventude formada entre gente de negócios e ambiciosa, ou é devido ao seu mentor Ron Cohn que lhe ensinou as três célebres regras: (1) Atacar, atacar, atacar; (2) Admitir nada, negar tudo; (3) Independentemente do que acontecer reclamar a vitória e nunca admitir a derrota?

Não há dúvida que Donald Trump segue disciplinadamente estas regras e faz delas uma espécie de bíblia pessoal, mas sendo isso verdade, nomeadamente vinda de alguém que aplicou esses ensinamentos com bons resultados na sua ascensão política, não pode representar um programa para tratar das relações geopolíticas dos Estados Unidos, nomeadamente com o seu mais poderoso inimigo, sentado sobre a maior quantidade de ogivas nucleares do planeta. Ninguém pode justificar uma inversão política desta dimensão, para mais de alguém que tem a responsabilidade pelo resultado das políticas seguidas.

Para além de pensar sobre esta questão de quem é Donald Trump, tenho assistido aos mais variados programas de televisão e lido os jornais, nomeadamente norte americanos, com os comentários e as explicações mais variadas sobre as razões de Trump, por vezes razões estapafúrdias, que nos deixam cada vez mais perplexos e menos convencidos das muitas explicações dadas. Terá de haver, penso, alguma coisa mais para explicar os comportamentos de Donald Trump, nomeadamente na sua relação com Putin.

Entretanto, aprendi bastante mais sobre Putin, nomeadamente sobre as suas actividades como dirigente do KGB soviético, onde fez a maior parte da sua formação, como tomei conhecimento das técnicas de espionagem então usadas, nomeadamente os investimentos feitos com objectivos de longo prazo, visando a identificação de alvos passíveis de alguma ascensão pessoal e política nos principais países adversários do comunismo e da URSS, que, por maioria de razões, visavam os Estados Unidos. Uma estratégia de longo prazo à moda da China de que, naturalmente, não conheço os resultados, mas que faz pensar.

Acresce, na sequência da minha procura de explicações sobre Trump nas suas relações com Putin, que ele viveu ainda na sua juventude algumas dificuldades financeiras, teve mesmo alguns casos de falência nos negócios, dificuldades que foi sempre superando sem grande explicação sobre os meios utilizados para além da sua conhecida filosofia de vida. Além disso, o Trump empresário visitou a Rússia onde conheceu Putin, com quem dialogou com o reconhecido agrado de ambos, o que mais tarde conduziu o líder russo a promover apoios pouco claros a Trump nas suas três campanhas eleitorais. Ou seja, por todas estas razões fui conduzido à hipótese, não é mais do que isso, de Donald Trump poder ter sido na juventude uma das conquistas do KGB e poder ser agora um agente russo na Casa Branca. Apenas uma das muitas explicações possíveis para o comportamento errático de Donald Trump relativamente ao líder russo, mas uma explicação que, entre todas, não pode ser ignorada, explicação que aliás deve estar na cabeça de algumas pessoas que rodeiam Putin. Algumas poderão mesmo ter caído das janelas.

Em análise política nunca se deve excluir qualquer possibilidade, sem que isso seja mais do que isso, uma possibilidade. Todavia, neste caso e por uma larga maioria de razões históricas conhecidas, o actual regime político da Rússia, não é de facto muito diferente do passado da URSS e conduz-nos à conclusão de que a maior diferença reside no presente em que há uma ditadura de um homem só e antes a Rússia Soviética era dirigida por um colectivo, o chamado Politburo. Pessoalmente, preferiria a versão comunista.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

Perfil da Prefeita Emília Corrêa

Legenda da foto: Emília Corrêa em seu gabinete na Prefeitura de Aracaju

Perfil compartilhado do site F1 FAN, de 24 de março de 2025

De Perfil > Das linhas de Pirro para a linha do tempo: o perfil da primeira mulher eleita prefeita de Aracaju

Por Larissa Gaudêncio*

Em uma das linhas que Pirro* desenhou, o calor não deixava o sol escaldante das 10h30 passar despercebido, mas à sombra da casa do povo, alguns se sentiram à vontade para dizer palavras afetuosas à nova prefeita. 

Um homem de camisa xadrez atravessou a barreira humana de seguranças, esticando o braço para capturar o momento com o celular. “Quero fazer mais vídeos para distribuir na comunidade”, disse, sorrindo, ao lado de uma Emília Corrêa também sorridente. Uma mulher de roupa florida e alegria no rosto dispensou formalidades: “Como é que você está, menina?”, perguntou a Emília.

Esse gesto simples veio depois de uma cerimônia  formal. Antes, quando os ponteiros marcavam 8 horas e 57 minutos do dia 4 de fevereiro de 2025, Emília chegou à Câmara de Vereadores, no Centro de Aracaju, para marcar o início dos trabalhos legislativos.

No plenário, a primeira mulher eleita prefeita de uma capital chegando aos seus 170 anos saudou colegas vereadores reeleitos e parlamentares de primeira viagem. Mais uma vez, pisava no lugar onde tanto debateu e fez cobranças durante oito anos, mas agora com uma responsabilidade diferente.

“Vereador Levi, o senhor está sentado onde eu costumava me sentar”, disse saudosamente na tribuna. Esse aceno ao Legislativo, posteriormente afirmou em entrevista para a construção do perfil, mostra o tipo de relação que pretende ter com os parlamentares. 

Em um momento em que a imagem da “Emília prefeita” ainda não está consolidada completamente em sua mente, afirma que a experiência de ter sido vereadora não permite que compactue com a hierarquização dos poderes.  

“Não é bom isso, medir força com o poder, até porque são poderes diferentes [pelo] que a Constituição diz. Independentes, mas harmônicos para governar”

– Emília Corrêa sobre relação entre o Executivo e o Legislativo

Relembrando o passado e mirando as incertezas e os desafios que o futuro impõe, se coloca como um ponto de encontro, uma chave que pretende abrir a porta de Aracaju e revelar “uma nova cidade”. 

A mulher que o voto segue

No gabinete da prefeita, ainda há resquícios da campanha de saldo vitorioso. Na ponta da língua, o grito de afirmação: “É desse jeito”, e uma resposta ao passado que a trouxe até esse posto: “Eis-me aqui”. No pulso, pulseiras de miçanga que foram feitas à mão por crianças e entregues a ela durante os atos que realizou na capital.

Sentada em uma cadeira à frente de um quadro imenso que ilustra a praça Fausto Cardoso, quase parece pequena, e confirma essa percepção na própria fala.

“Todo dia eu me sinto desse tamanhinho, carregando esse monte de responsabilidades sobre os meus ombros, mas não tenho parado de trabalhar”

Por outro lado, quando é hora de fazer uma autodescrição, já parece grande. Emília Corrêa Santos Bezerra destaca que é mãe de Rodrigo e Lara, avó de June, esposa, advogada e defensora pública por essência. Nascida e criada em Lagarto, recebeu em 2006 o título de cidadã aracajuana. 18 anos depois, se tornou prefeita desta mesma cidade, em 27 de outubro de 2024, com 165.924 votos, o equivalente a 57,46% dos eleitores.

Confirmou o que a maioria das pesquisas de intenção de voto já apontava na época, após se comprometer em “furar a bolha do sistemão”. Mas nem sempre foi assim. No início da carreira política, não enxergava em si as virtudes que pudessem justificar a confiança que a população lhe deu. 

“Nunca imaginei estar na política partidária, nunca planejei, nunca projetei isso”

Falando sobre sua entrada no jogo político, cita a influência do pai, José Corrêa Sobrinho, e a visão diferenciada da mãe, Orlette Corrêa Santos. Emília lembra que José era comunicativo e carismático, o que combinava mais com o viés político. Já Orlette, acreditava que ela era uma ótima defensora. 

“Ele [pai] foi vereador por três vezes em Lagarto. Foi até presidente da Câmara, mas no tempo em que não existia salário para vereador. Meu pai defendia a cidade, ele amava Lagarto, era impressionante isso. Ele viu isso em mim, eu não me vi em política partidária, mas ele viu isso em mim, como a minha mãe me viu uma advogada ou uma defensora”

O “estalo” para uma mudança de trajetória, na época em que ainda exercia a advocacia, veio de uma fala do pai sobre sua caminhada na política institucional. Candidata a conselheira e presidente da OAB Sergipe, além de pleiteante à vaga do Quinto Constitucional no Tribunal de Justiça, afirma ter sido descrita por José Corrêa como uma líder nata.

“Ele dizia isso para mim: ‘minha filha, tem políticos que têm que correr atrás do voto, outros que compram votos, negociam votos, e outros que o voto corre atrás, eu vejo que você é uma política que o voto corre atrás’”

De quem “desligava o telefone em época de eleição” para desviar dos convites de partidos para que se candidatasse, acolheu um pedido do pai e do ex-governador João Alves para que buscasse um espaço no Legislativo. 

Assim, em 2012, Emília concorreu ao cargo de vereadora de Aracaju pelo Democratas. Não recebeu os votos necessários para ser eleita, mas ficou como primeira suplente, e chegou a assumir a titularidade do mandato entre 2013 e 2014. Em 2016, concorreu novamente à vereança pelo Partido Ecológico Nacional (depois conhecido como Patriota) e, desta vez, foi eleita. Dois anos depois, saiu candidata a deputada federal e recebeu quase 53 mil votos, sendo 35 mil somente em Aracaju, mas não foi eleita por conta do sistema proporcional.

Diante dos números que alcançou na corrida por uma vaga na bancada federal, Emília afirma que chegou a ter o nome ventilado à Prefeitura de Aracaju em 2020, mas não foi a escolhida pelo seu grupo político, que utilizou como o critério o resultado de pesquisas eleitorais e, assim, escolheu Danielle Garcia (MDB) como candidata a prefeita.

“Ela ainda não tinha sido testada nas urnas. Eu já tinha sido testada nas urnas, aprovada, e a pesquisa deu que o nome dela era o melhor naquele momento. E havia um combinado, um acordo de que quem não fosse o escolhido do grupo, não sairia candidato para outro grupo”

Esse acordo, segundo Emília, foi seguido apesar de ter recebido convites de outras lideranças e de temer ser prejudicada politicamente. Optou, então, pela recondução à vereança, e, novamente, foi eleita.

“Com o mesmo tipo de campanha, com um partido pequeno, ou seja, sem a estrutura que tantos e a maioria dos políticos pensa que só vence eleição quem tem. Não é assim, quando tem que acontecer, vai acontecer”

Mas talvez tenha sido em 2022 que a anunciação de sua força política tenha ficado mais fácil de escutar. Candidata a vice-governadora na chapa encabeçada pelo atual prefeito de Itabaiana, Valmir de Francisquinho (PL), obteve 457.922 votos. 

No entanto, a condição de indeferimento que a candidatura do “pato” enfrentava à época fez os votos serem considerados nulos. O TSE referendou uma decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Sergipe, que condenou Valmir à inelegibilidade por oito anos, pela prática de abuso de poder econômico nas eleições de 2018. 

“Nós ganhamos, mas não levamos por tudo que você já sabe”

Havia grande apelo de uma parcela do eleitorado da chapa ‘Pato+Leoa’ (à época conhecida somente como Emília) para que, diante da insegurança jurídica que rondava a candidatura de Valmir, ela encabeçasse o grupo como candidata a governadora. Isso não chegou a ser feito, conforme a própria Emília, em respeito à decisão do grupo que coordenava a chapa. 

“Quando eu cheguei ali, aquele grupo já estava todo pronto. Eu cheguei apenas para compor, então não poderia eu chegar impondo alguma coisa naquele momento. O grupo entendeu que, se não fosse Valmir, não deveria ser ninguém, porque as pesquisas apontavam Valmir. E aí eu respeitei simplesmente isso”

Por esse motivo, ela especula que talvez sua chegada à prefeitura esteja relacionada a um desejo do povo, tantas vezes protelado, de que ela ocupasse um cargo majoritário. 

“É como se o povo tivesse esperando isso, porque vinha acompanhando a trajetória da gente. Eu já entendia que eu não tinha que permanecer na Câmara, já tinha contribuído com [a Câmara] naquele período, e a gente não tem que ser político permanente nos lugares”

O estouro da bolha 

A imagem da Emília combatente que discursava com altivez na tribuna da Câmara de Vereadores e aparecia em vídeos nas redes sociais fazendo denúncias sobre supostos problemas em diversas áreas em Aracaju ganhou mais uma camada na campanha de 2024. 

Nos mais diversos pronunciamentos, fazia questão de dizer que concorria sem o apoio de grandes lideranças políticas, como o governador, Fábio Mitidieri (PSD), e o então prefeito Edvaldo Nogueira (PDT), que apoiavam o candidato Luiz Roberto (PDT), e de não fazer parte de famílias tradicionais, com grande influência no estado. 

Daí, o argumento de que sua eleição estouraria a “bolha do sistemão”, ou o movimento de perpetuação de um mesmo grupo político no poder. Com essa e outras falas, passou a vestir ideais não somente apoiados em uma visão intelectual de que a renovação era necessária, mas também buscando fazer com que o fato de ser eleita se tornasse um desejo intenso do povo.

Desta vez, concorrendo pelo Partido Liberal (PL), fez um vídeo com o nome mais conhecido da sigla e talvez da própria direita: o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em sua rede social, alegava e agradecia o apoio espontâneo da população, inclusive de crianças, que faziam as já mencionadas pulseiras de miçangas para lhe entregar durante as agendas de campanha. 

Emília usa algumas pulseiras que recebeu durante os dias de campanha

Enfim, chegou ao Executivo. A esse fato, ela também atribui um sentimento de cansaço que, em suas palavras, permeava o eleitorado aracajuano. 

“Esse acolhimento veio do povo que cansou. O povo cansou de mentiras, de personagens que são produzidos. O povo cansou disso, o povo cansou de trocas, de vendas, de compras, de negócios”

Em um pleito marcado pela presença dominante, e até mesmo inédita, de mulheres como candidatas a prefeita, se colocou como uma figura “diferente”.

“Nessa história toda de se cansar e de querer o diferente, resolveram apostar em uma mulher. Mas veja, nós tivemos muitas candidatas mulheres, não que elas não tivessem preparadas, mas parece que eles não queriam só uma mulher, eles queriam uma mulher diferente, e isso não significa, volto a dizer, que eu sou melhor que ninguém”

A harmonia entre os poderes

Fazendo uma avaliação do início de gestão, Emília descreveu um “misto de tristezas, dores, alegrias, problemas e soluções”, e referenciando Juscelino Kubitschek, a percepção de que dois anos haviam se passado em apenas dois meses. 

Às palavras que utilizou, relacionou diversos fatos que se desenrolaram, como a suspensão da coleta de lixo no dia 30 de dezembro de 2024 e, logo depois, no início de janeiro, o anúncio da possibilidade de interrupção dos serviços prestados à Maternidade Lourdes Nogueira.

“À medida que a gente ia resolvendo [os problemas], outros iam se apresentando, ou seja, questões que na transição não foram visualizadas, porque não são mesmo, só quando a gente chega” 

A consciência de que mais adversidades serão enfrentadas durante toda a gestão, em suas palavras, também é uma constante. 

“A gente chegou enfrentando os problemas, e vamos enfrentar muito mais durante os 4 anos, com certeza, mas vamos resolvendo a cada um que vai chegar”

É dentro de um cenário com essas características que recupera na linha do tempo a experiência como vereadora e, agora como gestora, define o tipo de relação que pretende ter com os parlamentares. Emília condiciona a necessidade de uma harmonia entre os poderes. 

“Eu quero ter um relacionamento com a Câmara, se a Câmara assim quiser. Eu quero ter um relacionamento de respeito, de contribuição para a população de Aracaju, de escuta, de ação. Mas para que eu tenha esse relacionamento, a Câmara também tem que querer, para que a harmonia aconteça. Se essa harmonia não acontecer, sabe quem vai penar? O povo”

A leoa da tribo de Judá

Na selva digital, onde a imagem consolidada e o engajamento passaram a ser colocados em um patamar de destaque nas últimas eleições, Emília se assentou. Ela conta que esse movimento começou em 2018, quando concorreu ao cargo de deputada federal e não tinha condições financeiras de se deslocar a todos os municípios do interior para fazer atos de campanha. 

Em 2020, durante a pandemia, foi acometida pela Covid e, diante da impossibilidade de ir às ruas, intensificou o trabalho nas redes sociais.

Na campanha para prefeita, não foi diferente. Da oposição à colocação de cimento no Parque da Sementeira a vídeo com pulseiras da amizade ao som de Taylor Swift, todo conteúdo passível de gerar reações acabava no Instagram. 

A tentativa de reunir uma verdadeira “tribo” online se personificou no dia em que foi eleita prefeita. Em um vídeo publicado logo após a confirmação da vitória nas urnas, estava maquiada artisticamente como um leão, vestida com uma blusa estampada com o nome “escolhida” e fez lipsync da música ‘Leão’, de Gabriela Rocha.

A produção e o trecho “meu Deus é o leão da tribo de Judá” fizeram com que logo ficasse conhecida como a “prefeita leoa”. O apelido, conta Emília, além de não causar incômodo, também ganhou uma funcionalidade dentro de seu imaginário. 

“A leoa tem aquela coisa de proteger a prole, de guardar a prole. Essa prole hoje para mim é o povo de Aracaju. Eu quero proteger, eu quero guardar, eu quero dar para eles o que eles precisam”

Citando outro trecho da música: “E em seu nome os gigantes cairão”, fez alusão aos adversários que enfrentou no pleito.

“Os gigantes caíram. E missão é coisa difícil, é coisa árdua. E você, quando é escolhida para uma missão, é muita responsabilidade”

Viver no presente e seguir a missão à qual foi designada é o desejo que Emília revela para os próximos anos. Antecipando os questionamentos que com certeza virão sobre o ano eleitoral de 2026, destaca que ainda não teve conversas políticas.

“Eu vou trabalhar na missão que me foi dada para Aracaju, não tenho planos, pelo menos agora, não tenho planos para 2026, nem para outros anos. Eu deixo as coisas acontecerem”

Diante do passado de sua trajetória na Câmara, com histórias e experiências, ao futuro que pretende construir, o presente de Emília é um momento que se expande. A política pode não ser uma linha reta como a de Pirro, mas um campo onde as promessas de mudança podem transformar o curso, desde que colocadas em prática. Resta esperar. O tempo é soberano e permite todo tipo de realidade. 

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 * Sobre a coluna

De Perfil é uma nova coluna do Portal Fan F1, dedicada a perfis jornalísticos. Cada perfil narra a história de vida de uma pessoa, pública ou não, de maneira humanizada e subjetiva. Ao contrário de uma biografia, o perfil é mais conciso e foca em aspectos específicos da trajetória do personagem.

Na estreia da coluna, apresentamos o perfil de Emília Corrêa, a primeira mulher eleita prefeita de Aracaju. A narrativa foi construída a partir da cobertura da cerimônia de início das atividades legislativas de 2025, realizada na Câmara de Aracaju no dia 4 de fevereiro, e de uma entrevista exclusiva com Emília, realizada em seu gabinete em 27 de fevereiro de 2025.

*Sebastião José Basílio Pirro foi o engenheiro que elaborou o primeiro projeto da então nova capital de Sergipe, Aracaju, em 1855. A Praça do Palácio (atual Praça Fausto Cardoso), foi o ponto de partida para o crescimento da cidade, com ruas ordenadas como um tabuleiro de xadrez, para terminar no Rio Sergipe.

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Texto e imagem reproduzidos do site: fanf1 com br

sexta-feira, 28 de março de 2025

Por que o batom virou novo símbolo de críticas a Moraes...

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 27 de março de 2025

Por que o batom virou novo símbolo de críticas a Moraes e ameaça a credibilidade do STF

Na avaliação de acadêmicos e criminalistas o ministro Luiz Fux, do STF, ajudou a institucionalizar o debate sobre a revisão de penas aos condenados do 8.01, e o caso da pichadora Débora Rodrigues dos Santos é identificado facilmente pela população como injustiça. Roseann Kennedy para o Estadão:

Desde as primeiras condenações dos envolvidos nos atos golpistas de 8/01, o bolsonarismo reclama de excessos na aplicação das penas. Sem admitir a gravidade dos fatos ocorridos, esse grupo tentou propagar a ideia de que o Supremo Tribunal Federal (STF) estava punindo “velhinhas com a bíblia na mão”. Por óbvio, não colou. Mas, de repente, a pena de 14 anos de prisão para uma mulher com “o batom em punho” virou o símbolo da arbitrariedade para os críticos do ministro Alexandre de Moraes.

O assunto agora domina rodas de conversa pelo País, e ameaça a credibilidade do julgamento, na avaliação de acadêmicos e criminalistas, especialmente depois de o ministro Luiz Fux, do STF, institucionalizar o debate ao levar o tema para o meio do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Esse caso provocou mais emoção por toda semiótica que envolve. Uma mulher, jovem. Muita gente consegue se identificar. E tem o batom no lugar da arma”, observa a advogada Luisa Moraes Abreu Ferreira, professora de Direito da FGV. Entre os crimes atribuídos à pichadora Débora Rodrigues dos Santos, está associação criminosa armada.

É fato que parte dos magistrados já se incomodava com as penas aplicadas, considerando-as excessivas. Desde o início dos julgamentos relacionados ao 8 de Janeiro, cinco ministros votaram por penas menores que as determinadas por Moraes. São eles: Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin e Edson Fachin. Parte desses votos foi apresentada no plenário. Agora, os casos estão concentrados na Primeira Turma do STF.

No primeiro julgamento de um réu do 8 de Janeiro, em 2023, o STF definiu uma pena de 17 anos para Aécio Pereira. Nunes Marques, André Mendonça e Barroso propuseram absolvição por alguns crimes e foram vencidos. Os ministros sempre ressaltam que o contexto desse julgamento no STF é inédito.

Agora Fux verbalizou, com todas as venias possíveis, sua divergência. E “o Supremo mordeu a isca”, diz Luisa. Para ela, isso pode ter ocorrido por duas hipóteses. Uma razão para a exposição neste momento seria o temor do efeito backlash, que poderá no futuro derrubar condenações, então seria melhor corrigir o rumo para garantir punições corretas e evitar que vire munição para anistia. “Ou pode ter pessoas lá dentro que quer usar o caso para frear o poder exacerbado do STF na figura de Moraes”.

O caso da pichadora com batom virou um estereótipo do julgamento do 8.01, na avaliação do criminalista Sergei Cobra Arbex. “Daqui a pouco, a oposição vai falar deste caso como mais importante que o de Bolsonaro. Porque representa uma situação de injustiça que todos veem com o tamanho da pena”.

“Uma pena porque esse é um processo extremamente importante, que mexe com nossa estrutura de democracia”, avalia Sergei. “Não é o resultado da condenação que vai fazer esse julgamento forte. É o processo. E a culpa a culpa não é de Moraes, é da Corte que se constrange para divergir do relator”, conclui.

Fux considera pena de cabeleireira que pichou ‘perdeu, mané’ exacerbada e fala em redução

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux lembrou na quarta-feira, 26, durante o julgamento que tornou réu o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que pediu vista do julgamento da cabeleireira Débora dos Santos, que pichou a frase “Perdeu, mané” na estátua da Justiça no 8 de Janeiro. Fux questionou “pena exacerbada” em alguns processos dos atos golpistas. O relator dos processos, Alexandre de Moraes, reforçou sua posição, mas afirmou que o tamanho da punição será discutido pelos colegas.

“Vou fazer uma revisão dessa dosimetria (cálculo da pena), porque, se a dosimetria é inaugurada pelo legislador, a fixação da pena é do magistrado. E o magistrado o faz à luz da sua sensibilidade, do seu sentimento a cada caso concreto”, afirmou Fux, completando: “E o ministro Alexandre explicitou a conduta de cada uma das pessoas. E eu confesso que, em determinadas ocasiões, eu me deparo com uma pena exacerbada”.

Em referência ao processo de Débora dos Santos, Fux afirmou: “E foi por essa razão, ministro Alexandre, dando uma satisfação a Vossa Excelência, que eu pedi vista desse caso, que eu quero analisar o contexto em que essa senhora (Débora) se encontrava”.

Após a declaração de Fux, Moraes afirmou: “Em relação ao batom, Vossa Excelência me conhece, eu defendo a total independência de cada magistrado. Acho que Vossa Excelência vai poder trazer uma discussão importantíssima para a Turma. O que agora explicito é que é um absurdo as pessoas quererem comparar aquela conduta — de uma ré que estava havia muito tempo dentro dos quartéis, pedindo intervenção militar, que invadiu junto com toda a turba e além disso praticou esse dano qualificado — com uma pichação de um muro”.

O ministro Alexandre de Moraes lembrou que já houve divergências com outros ministros, a exemplo de Cristiano Zanin, sobre o tamanho das penas aos condenados do 8 de Janeiro. “A questão da dosimetria é uma questão a ser analisada”, concluiu o relator.

O julgamento de Débora dos Santos, no plenário virtual do STF, foi interrompido nesta semana por Fux. Moraes votou por condenar a cabeleireira a 14 anos de prisão.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República, Débora Santos cometeu cinco crimes: golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

"O que é Política?", por Juliana Bezerra

Artigo compartilhado do site TODA MATÉRIA

O que é Política?
Por Juliana Bezerra *

Política é a atividade desempenhada pelo cidadão quando exerce seus direitos em assuntos públicos através da sua opinião e do seu voto.

A palavra política tem sua origem da palavra grega “polis” que significa “cidade”. Neste sentido, determinava a ação empreendida pelas cidades-estados gregas para normalizar a convivência entre seus habitantes e com as cidades-estados vizinhas.

Definição

A política busca um consenso para a convivência pacífica em comunidade. Por isso, ela é necessária porque vivemos em sociedade e porque nem todos os seus membros pensam igual.

A política exercida dentro de um mesmo Estado chama-se política interna e entre Estados diferentes, se denomina política externa.

Um dos primeiros a explicar o conceito de política foi o filósofo Aristóteles. No seu livro "Política" ele define que esta é um meio para alcançar a felicidade dos cidadãos. Para isso, o governo deve ser justo e as leis, obedecidas.

Mas, para que um Estado seja bem organizado politicamente, não basta que tenha boas leis, se não cuidar da sua execução. A submissão às leis existentes é a primeira parte de uma boa ordem; a segunda é o valor intrínseco das leis a que se está submetido. Com efeito, pode-se obedecer a más leis, o que acontece de duas maneiras: ou porque as circunstâncias não permitem melhores, ou porque elas são simplesmente boas em si, sem convir às circunstâncias.

Já no século XIX, quando o mundo industrializado se consolidava, o sociólogo Max Weber definiu:

A política é a aspiração para chegar ao poder dentro do mesmo Estado entre distintos grupos de homens que o compõem.

Os membros de uma mesma sociedade podem fazer política quando desejam melhorias na sociedade civil. Atualmente, nas democracias ocidentais, os cidadãos podem participar da política através de associações, sindicatos, partidos, protestos e mesmo individualmente.

Vemos, então, que a política vai muito mais além do que um partido político, profissionais e instituições.

Políticas Públicas

As políticas públicas podem soar como uma redundância, pois o governo seria o principal responsável pela condução política da sociedade.

No entanto, o governo tem várias atribuições como garantir o funcionamento da economia e da justiça, assegurar a defesa do território, e finalmente, o bem-estar dos cidadãos.

Quando surge um problema específico e que necessita uma solução particular, aí teremos a chamada política pública.

Por isso, definimos política pública como ações do governo para resolver um problema público após análises e avaliações.

Igualmente, a política pública deve contar com a participação da cidadania para a solução de problemas que atingem a sociedade civil.

Política

Hoje a política deve ser construída com a participação de todos

Política Social

A política social pretende ser uma reestruturação da sociedade a fim de distribuir riquezas de maneira mais igualitária.

A política social tem como objetivo garantir condições mínimas de cidadania como habitação, saúde, educação e consciência ecológica.

Política Fiscal

A política fiscal será o conjunto de medidas que o governo fará para garantir o equilíbrio das contas de um Estado.

Se um Estado gasta mais do que arrecada em impostos, o governo tomará ações para que isto diminua, pois sua dívida crescerá. Desta maneira, pode privatizar empresas públicas ou até diminuir o salário de funcionários.

Política Monetária

A política monetária consiste no controle da inflação, da taxa de juros e da quantidade de dinheiro que circula num país.

Os responsáveis pela condução da política monetária são os Bancos Centrais e os Ministérios de Economia de um Estado que ditam as regras econômicas de um país.

Governo

A política também é a arte ou doutrina relativa à organização dos Estados e o responsável por esta missão é o governo.

Ao longo do tempo, seu conceito foi se modificando e as formas de governo foram se adaptando às novas demandas sociais e econômicas.

Assim, temos vários regimes políticos como:

Monarquia

Ditadura

Teocracia

Oligarquia

Tirania

República

Demagogia

Aristocracia

Liberalismo

Socialismo

..........

Partido Político

Na democracia, o voto é essencial para participar da política

Com a Revolução Industrial, as sociedades ficaram mais complexas. Antes, a maior parte da população estava dispersa no campo e a política era decidida por um pequeno grupo de pessoas que pertenciam à mesma classe social: a aristocracia.

Após a industrialização houve o êxodo rural fazendo com que as cidades ganhassem cada vez mais importância. Surgem em cena, dois novos personagens: o burguês e o operário.

Com as duras condições de trabalho nas fábricas, os operários passam a se organizar em sindicatos e associações a fim de reivindicar melhores condições de vida. Por sua vez, os burgueses também passam a exigir dos governos garantias e facilidades para seus negócios.

Com as ideias socialistas, anarquistas e liberais surgidas nos séculos XVIII e XIX, os cidadãos passaram a ter um amplo leque de opiniões a respeito da melhor maneira de governar um Estado.

Desta forma, a política passou a se organizar em partidos, com seus defensores e críticos de cada uma dessas bandeiras.

No geral, as ideias políticas do ocidente se dividem em direita, centro e esquerda.

Direita – manutenção das classes sociais com privilégios para os ricos, livre-concorrência, negociação direta com o empregador, etc.

Centro – defesa da liberdade de comércio com os direitos básicos dos trabalhadores assegurados, etc.

Esquerda – defende a abolição das classes sociais, a repartição igualitária das riquezas, garantia dos direitos dos trabalhadores, etc.

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* Bacharelada e Licenciada em História, pela PUC-RJ. Especialista em Relações Internacionais, pelo Unilasalle-RJ. Mestre em História da América Latina e União Europeia pela Universidade de Alcalá, Espanha.

Texto e imagem reproduzidos do site: www todamateria com br

Ielcast ENTREVISTA Dr. Kakay

quinta-feira, 27 de março de 2025

"Ter generais réus é simbólico..."

O ex-presidente Jair Bolsonaro (ao centro) e os generais da reserva Augusto Heleno (à esquerda)e Walter Braga Netto (à direita) podem virar réus a partir de julgamento na 1ª Turma do STF

Publicação compartilhada do site BBC BRASIL de 25 de março de 2025

'Ter generais réus é simbólico. Nenhum militar golpista da história, e foram muitos, jamais foi punido', diz Carlos Fico

Author, Leandro Prazeres

Role,Da BBC News Brasil em Brasília

Twitter,@PrazeresLeandro

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réus por tentativa de golpe de Estado o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados, entre eles três generais — Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil).

Os cinco ministros da Primeira Turma decidiram de forma unânime aceitar a denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o chamado "núcleo crucial" que teria comandado uma suposta trama golpista para reverter a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022.

O julgamento tem provocado reverberações à esquerda e à direita dada a relevância política do ex-presidente. Mesmo fora do poder, ele é considerado por políticos e especialistas como a maior liderança da direita no Brasil, neste momento.

Mas para o professor de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Carlos Fico, mais importante que a possibilidade de Bolsonaro virar réu por tentativa de golpe é a chance de que isso aconteça aos generais das Forças Armadas.

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"Acho mais importante a admissão (da denúncia) [...] a passagem à condição de réu dos generais Braga Netto e (Augusto) Heleno. Mais até que do que em relação ao ex-presidente Bolsonaro", defende Fico em entrevista à BBC News Brasil.

As defesas de todos, exceto Mauro Cid, alegaram inocência e negaram qualquer participação na suposta tentativa de golpe. Mauro Cid, por sua vez, firmou um acordo de colaboração premiada com a Justiça e admitiu condutas irregulares.

Fico é um dos principais pesquisadores do Brasil sobre o papel dos militares na história política do país e autor de livros como O golpe de 1964: momentos decisivos e atualmente está escrevendo outro sobre todos os golpes ou tentativas de golpe orquestradas por militares no Brasil.

Em entrevista concedida antes da decisão do STF, ele defendeu que o julgamento produziria fatos inéditos na história do Brasil.

Segundo Fico, nunca um ex-presidente e oficiais generais foram processados e julgados por tentativas de golpe de Estado.

Crítico do que ele chama de "tradição intervencionista" das Forças Armadas, ele disse que a ida de oficiais generais como Braga Netto ou Augusto Heleno para o banco dos réus por tentativa de golpe terá um forte impacto.

"Levar esses generais, embora eles estejam na reserva, à condição de réus acusados de planejar um golpe de Estado tem muito significado político e simbólico", afirmou o professor.

Na entrevista à BBC News Brasil, Fico disse, no entanto, que não acredita que o julgamento poderá acabar com a crença entre militares de que eles podem atuar como "poder moderador" da República.

Isso só começaria a acontecer se o Congresso Nacional alterasse a redação do artigo nº 142 da Constituição Federal, afirmou o professor.

Este artigo descreve as atribuições das Forças Armadas e é frequentemente citado por militantes de direita que defendiam uma intervenção militar após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022.

Para Fico, é preciso alterar a redação do artigo para acabar com as interpretações de que os militares poderiam atuar como um poder moderador.

Fico também disse não acreditar que o julgamento vai reduzir o eleitorado de Bolsonaro, que o ex-presidente tenta se posicionar como um "mártir" político e defende que o Congresso Nacional não aprove anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023.

"A tradição brasileira de leniência com militares golpistas tem sido muito prejudicial no sentido de fazer persistir esse entendimento equivocado entre os militares de que eles seriam um garantidor da República com direito de intervir em situações de crise", disse o professor.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil - O Brasil poderá ter um ex-presidente e oficiais das Forças Armadas na condição de réus por tentativa de golpe de Estado. Qual é a relevância histórica disso?

Carlos Fico - A relevância é o ineditismo. É claro que já houve no passado situações assemelhadas. A mais parecida envolveu o ex-presidente Hermes da Fonseca, que governou o Brasil de 1910 a 1914 e se envolveu numa tentativa de golpe em 1922. Também tem um filho envolvido, o Euclides Hermes da Fonseca, que era o comandante do Forte de Copacabana. Foi o famoso episódio dos "18 do Forte". Esse episódio foi uma tentativa de golpe militar contra o presidente Epitácio Pessoa e, tudo indica, à frente do qual estava o ex-presidente Hermes da Fonseca, que foi preso e foi submetido a um inquérito, mas acabou morrendo antes que o inquérito se concluísse. É o único caso assemelhado e muito distante na história de modo que o envolvimento de um ex-presidente numa tentativa de golpe e ele ser submetido a julgamento é algo inédito. Mas tem algo ainda mais inédito. Vários militares, no passado, já foram submetidos à prisão, no entanto, isso sempre no contexto de crises institucionais muito graves e, por ordem do Executivo. Então, temos um outro ineditismo porque o julgamento desta tentativa de golpe de 2022 está sendo conduzida em período de normalidade democrática e pelo Poder Judiciário, com todas as garantias processuais.

BBC News Brasil - O que mudou na estrutura social e política do Brasil que permite que isso esteja acontecendo?

Fico - O que mudou foi o empoderamento que a Constituição de 1988 deu ao STF e à Procuradoria-Geral da República. Antes de 1988, esses órgãos não tinham o papel privilegiado que têm hoje. Isso tem um impacto muito grande porque as investigações estão se dando num contexto de normalidade democrática e com instituições fortes [...] É esse fortalecimento institucional que garante a normalidade democrática do momento e o possível julgamento dessas pessoas.

BBC News Brasil - Há muitos militantes de direita que concordam que isso só está ocorrendo em razão do empoderamento do STF. Segundo eles, haveria uma espécie de "superempoderamento" do STF. Na sua avaliação, o fato de Jair Bolsonaro e militares poderem virar réus é positivo ou negativo para a sociedade brasileira?

Fico - É altamente positivo que o STF tenha a última palavra sempre, ainda que erre. Do contrário, quem vai decidir? As Forças Armadas? A população nas ruas? Para o perfeito funcionamento da democracia é necessário que o Poder Judiciário tenha a última palavra [...] Se as coisas estão sendo conduzidas de acordo com as regras emanadas pela Constituição, não vejo como isso pode ser considerado negativo. Até porque nós temos uma tradição muito negativa de intervencionismo militar na qual as Forças Armadas se consideravam o poder moderador e teriam a palavra final, como se fosse um equivalente ao poder poder moderador do Império.

BBC News Brasil - Que impacto, se é que algum, esse julgamento vai ter sobre essa tradição?

Fico - Olha… inclusive eu acho mais importante a admissão (da denúncia) [...] a passagem à condição de réu dos generais Braga Netto e (Augusto Heleno)...mais até que do ex-presidente Bolsonaro. Do meu ponto de vista, a qualificação desses dois generais tem mais importância. Levar esses generais, embora estejam na reserva, à condição de réus acusados de planejar um golpe de Estado tem muito significado político e simbólico. Me parece que as Forças Armadas, como se diz na economia, já precificaram uma eventual condenação desses dois generais usando estratégia de distinguir a instituição dos indivíduos que a compõem.

BBC News Brasil - Que sentido simbólico é esse?

Fico - O sentido de que nenhum militar golpista na história do Brasil, e foram muitos, nenhum jamais foi punido. Vou lançar um livro em maio no qual eu demonstro isso estudando todas as tentativas de Golpe desde a proclamação da República até o último, em 2022. Alguns até foram alvo de inquéritos ou processos disciplinares, mas logo o Congresso Nacional aprovou uma anistia [...] Isso vai modificar a realidade da democracia brasileira, que tem essa fragilidade estrutural da presença intervencionista dos militares? Eu acho que não. O que realmente vai alterar esse quadro da tradição de intervencionismo militar no Brasil são outras iniciativas, como a mudança da redação do artigo 142 na Constituição Federal.

BBC News Brasil - Por que, na sua avaliação, esse julgamento não vai mudar a realidade da democracia brasileira?

Fico - Em relação às consequências desse julgamento, eu posso dizer duas coisas. Uma é que, sim, esse julgamento terá um impacto simbólico, sobretudo no interior das Forças Armadas, porque se trata de uma coisa inédita. Mas não me parece que o intervencionismo militar vá se resolver com esse julgamento. Eu acho que a tradição de intervencionismo militar somente vai terminar, numa perspectiva otimista, se a sociedade brasileira, por meio do Congresso Nacional, alterar a redação do artigo 142, mas me parece que isto não está no horizonte. Creio que isso seria fundamental para dizer claramente para as Forças Armadas que elas não são garantidoras dos poderes constitucionais e muito menos poder moderador.

BBC News Brasil - O argumento de Bolsonaro, de que não houve tentativa de golpe por não ter havido uso da força faz sentido?

Fico - Houve uma tentativa de golpe que fracassou supostamente porque a maioria do Alto-Comando do Exército não aderiu — algo bastante preocupante porque, nesse caso, teria havido o apoio de alguns integrantes e os demais não denunciaram a existência do plano [...] O crime em questão é a tentativa. A tentativa de golpe teria sido bem-sucedida se tivesse havido adesão dos militares e emprego, ainda que persuasivo, da força.

BC News Brasil - Há um movimento liderado por militantes de direita defendendo a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023. Também há um entendimento de que ela poderia beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro. Qual sua opinião sobre essa tentativa de aprovar uma anistia?

Fico - Em todos os episódios de tentativas de golpe de Estado, sempre houve anistia aos militares. Neste caso mais recente, temos a peculiaridade do envolvimento de civis nos episódios de 8 de janeiro de 2023. Provavelmente, surgirá uma pressão, também, em relação à anistia desse núcleo conspirador que vai a julgamento agora. Isso sempre aconteceu. Minha surpresa seria se não houvesse nada nesse sentido [...] Eu espero que não haja a anistia caso haja condenação das pessoas envolvidas, seja no núcleo conspirador, seja em outras atividades igualmente condenáveis.

BBC News Brasil - Por que o senhor espera que não haja anistia?

Fico - Eu espero que não haja porque a tradição brasileira de leniência com militares golpistas tem sido muito prejudicial no sentido de fazer persistir esse entendimento equivocado entre os militares de que eles seriam um garantidor da República com direito de intervir em situações de crise. Vimos os episódios que marcaram o governo Bolsonaro. A todo momento, os generais Heleno e (o ex-vice-presidente Hamilton) Mourão falavam do artigo nº 142 como se ele desse às Forças Armadas o direito de intervir em situações de crise. O fato de ter havido anistia aos militares golpistas na história republicana foi sempre muito negativa porque deu a impressão de que a sociedade não se incomodava.

BBC News Brasil - Os atuais defensores da anistia aos envolvidos no 8 de janeiro têm feito uma comparação com a campanha da anistia que resultou na lei da anistia de 1979. É possível comparar uma coisa à outra?

Fico - As pessoas que fazem essa comparação não conhecem a história do Brasil [...] Há pessoas que se referem à ditadura militar e dizem: "Ah! Mas não vão ver os dois lados?". Mas que dois lados? Na esquerda, que se posicionou contra a ditadura militar, ou as pessoas foram mortas ou os que não foram mortos foram presos, julgados e condenados por uma justiça militar muito dura. Foram milhares de condenações de opositores do regime pela justiça militar. A campanha da anistia visava dar anistia a pessoas que foram condenadas de forma muito brutal e aos que conseguiram sobreviver à tortura [...] Não há equivalência possível entre a atitude de oposição a um regime ditatorial que matava e torturava e o momento atual.

BBC News Brasil - Qual o risco de aumento da polarização política no Brasil em função deste julgamento envolvendo Bolsonaro e militares?

Fico - Não gosto da palavra polarização porque dá a impressão de que a gente está vivendo uma coisa inédita do ponto de vista político como essa contraposição entre setores. Isso sempre acontece [...] É claro que o julgamento do ex-presidente Bolsonaro e do restante do núcleo conspiratório vai ser também utilizado por todos os setores políticos como arma de proselitismo político.

BBC News Brasil - Que efeitos esse julgamento terá para o tamanho do bolsonarismo?

Fico - Não faço ideia. O que a gente tem percebido em relação a essas lideranças de extrema direita, não só aqui no Brasil, mas em outras partes do mundo, é que mesmo quando elas estão envolvidas em situações criminosas, ainda assim, o seu eleitorado se mantém fiel [...] Ele (Bolsonaro) não me parece ter perdido, até o presente momento, o seu eleitorado mais fiel. Não sei se uma eventual condenação terá impacto do ponto de vista da fidelidade do seu eleitorado.

BBC News Brasil - Na sua avaliação, qual a probabilidade de Bolsonaro se transformar numa espécie de mártir político a partir desse julgamento?

Fico - Tornar-se mártir é tudo o que o ex-presidente Jair Bolsonaro está tentando fazer. Ele tenta se colocar como vítima, o que é uma estratégia bastante comum de lideranças políticas que são pegas pela Justiça. Agora, essa estratégia vai emplacar? Realmente, eu não sei. Provavelmente, entre o eleitorado mais fiel vai emplacar [...] Agora, para a sociedade como um todo, eu não sei. Muito provavelmente não vai colar porque ao longo do julgamento, sobretudo se esse julgamento for transmitido pela TV Justiça, vão ficar evidentes essas provas que foram colhidas pela Polícia Federal e elas são muito eloquentes [...] Muitas vezes, as coisas dependem não apenas das tecnicalidades da Justiça, mas da maneira como a justiça é feita.

Texto e uma imagem reproduzidos do site: www bbc com/portuguese