Foto reproduzida do site veja.abril.com.br e postada pelo blog para ilustrar o presente artigo
Texto publicado originalmente no site do Portal Infonet, em 12 de novembro de 2018
Paulo Freire vive
Por Marcos Cardoso (Blog Infonet)
A Universidade Federal de Sergipe concedeu a Paulo Freire,
na noite da última quarta-feira, o título de doutor honoris causa. A viúva e
sucessora legal Ana Maria Araújo Freire, a Nita Freire, recebeu o diploma das
mãos da vice-reitora Iara Campelo.
O educador é o brasileiro com mais títulos desse porte, mais
de 40 concedidos por universidades de todo o mundo, incluindo Harvard,
Cambridge, Barcelona, Massachusetts, Lisboa, Havana e Oxford.
Mas esse título da UFS tem um significado especial: é o
primeiro concedido a ele depois de políticos terem ameaçado “expurgar a
ideologia de Paulo Freire”. Como se isso fosse possível.
Paulo Freire dá nome a mais de 30 institutos em países
diversos, da África do Sul à China, de Israel aos Estados Unidos, e há cátedras
lecionando sobre ele em outras tantas universidades. Dentre muitos, ele recebeu
o Prêmio de Educação para a Paz, da Unesco, em 1986.
A homenagem agora prestada pela UFS integra a comemoração
pelos 50 anos da universidade sergipana. O Colóquio Paulo Freire, inserido na
Semana Acadêmica, e que prosseguiu até a sexta-feira, lotou o auditório da
reitoria, tamanho o interesse pelo tema. E pelo nome do célebre educador,
Patrono da Educação Brasileira desde 2012.
O momento é também de comemorar os 50 anos de sua obra mais
emblemática, “Pedagogia do Oprimido”, livro de 1968, escrito durante o exílio
no Chile, onde ele firmou o conceito de educação como “prática da liberdade”, o
meio pelo qual homens e mulheres lidam de forma crítica com a realidade e
descobrem como participar na transformação do seu mundo.
Segundo Paulo Freire, nenhuma pedagogia que seja
verdadeiramente libertadora pode permanecer distante do oprimido, tratando-os
como infelizes e apresentando-os aos seus modelos de emulação entre os
opressores. Os oprimidos devem ser o seu próprio exemplo na luta pela sua
redenção.
Ele ataca o que chamou de conceito “bancário” da educação,
em que o aluno é visto como uma conta vazia a ser preenchida pelo professor. E
observa que transformar os alunos em objetos receptores é uma tentativa de controlar
o pensamento e a ação, levando homens e mulheres a ajustarem-se ao mundo e
inibindo o seu poder criativo.
Assim, o educando criaria sua própria educação, fazendo ele
próprio o caminho, e não seguindo um já previamente construído. Libertando-se
de chavões alienantes, o educando seguiria e criaria o rumo do seu aprendizado.
Ele se revelou no Recife quando sua teoria funcionou no que
ficou conhecido como método Paulo Freire de alfabetização, que consegue fazer o
analfabeto ler e escrever em pouco mais de um mês, trabalhando a partir do
universo vocabular do aluno.
Um ponto fundamental do método é a discussão sobre os
diversos temas surgidos a partir das palavras geradoras. É a conscientização
acerca dos problemas cotidianos, a compreensão do mundo e o conhecimento da
realidade social.
Em 2016, duas pesquisas demonstraram o impacto de sua obra a
nível mundial. Uma pesquisa com mais de um milhão de programas de estudos de
universidades dos países anglófonos descobriu que “Pedagogia do Oprimido” é o
99º livro mais citado, fazendo do pedagogo o único brasileiro entre os 100 mais
citados e o segundo melhor colocado no campo da educação.
E uma pesquisa da Escola de Economia e Ciência Política de
Londres constatou que “Pedagogia do Oprimido” é o terceiro livro mais citado
mundialmente na área das Ciências Sociais.
O professor Moacir Gadotti, presidente de honra do Instituto
Paulo Freire, lamenta que o educador reconhecido internacionalmente por suas
contribuições às ideias pedagógicas esteja, neste momento, ameaçado de ser
expurgado da educação brasileira.
Gadotti lembra que não é a primeira vez que suas ideias são
ameaçadas. O autor de “Pedagogia do Oprimido” foi preso e exilado no período da
ditadura. Sua resposta ao cerceamento foi um convite ao diálogo e à coragem de
lutar: frente à violência, ao silenciamento, a luta pelo direito à liberdade de
expressão, ao pensamento crítico.
Semelhante a outros gênios, Paulo Freire foi menos lido do
que deveria e ainda menos compreendido. Embora Nita Freire afirme que hoje ele
é mais lido do que em 1997, quando morreu, aos 75 anos.
O certo é que as ideias de Paulo Freire não são uma
unanimidade, mas continuam bem vivas. E não há ameaça autoritária que consiga
apagá-las.
Texto reproduzido do site: infonet.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário