Em 10 de dezembro de 2018 é celebrado os 70 anos da
Declaração Universal dos Direitos Humanos. (ROMEOCANE1 VIA GETTY IMAGES)
Texto e imagem reproduzidos do site HuffPost Brasil
A luta por direitos humanos é de esquerda ou de direita?
A violação dos direitos fundamentais em qualquer canto do
planeta corrói os princípios que nos protegem a todos do abuso e da tirania.
Por Maria Laura Canineu e César Muñoz Acebes*
Hoje celebramos o aniversário de 70 anos de um documento
vivo. Vivo não porque esteja em constante evolução, se adaptando a novos tempos
por meio de emendas, como é o caso da nossa Constituição federal. Vivo porque
os valores que o documento solidifica e a promessa que ele carrega são tão
relevantes hoje quanto quando foi adotado pela Assembléia Geral da ONU sobre as
cinzas da Segunda Guerra Mundial.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos tornou-se um
avanço histórico porque consagrou uma ideia muito simples, mas poderosa: todos
os seres humanos gozam dos mesmos direitos e liberdades fundamentais,
independentemente de raça, sexo, credo ou qualquer outra distinção.
Esse é o "universal" no nome da declaração.
Significa que esses direitos e liberdades se aplicam a pessoas de qualquer
país, seja uma ditadura ou uma democracia, se o governo é de direita ou de
esquerda.
O artigo 1º da Declaração Universal determina que
"todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos". Essas 12 palavras anunciaram uma mudança sistêmica em um mundo
no qual algumas pessoas - a realeza, os ricos, os europeus, os homens, os
brancos - sempre desfrutaram de mais direitos e privilégios que outros.
E esses valores continuam absolutamente pertinentes hoje no
Brasil.
Quando o artigo 3º da Declaração diz que todos têm direito à
vida, à liberdade e à segurança pessoal, isso envolve a elite privilegiada e
também os moradores da periferia.
Quando o artigo 5º diz que ninguém será submetido a tortura
ou maus tratos, não abriu uma exceção para pessoas suspeitas de pertencerem a
grupos de esquerda durante o regime militar do passado, ou para jovens negros
da periferia que alguns policiais acham que podem espancar, agredir ou matar de
forma impune. Aqueles que torturaram, no passado, ou torturam no presente,
nunca deveriam ser lembrados como heróis, mas sim responsabilizados e punidos.
Significa que esses direitos e liberdades se aplicam a
pessoas de qualquer país, seja uma ditadura ou uma democracia, se o governo é
de direita ou de esquerda.
Quando o artigo 19º diz que todos os seres humanos têm
direito à liberdade de opinião e expressão, isso não exclui os policiais
militares, que no Brasil podem sofrer punições desproporcionais se defenderem
publicamente uma reforma policial ou tecerem críticas a um superior ou uma
decisão do governo.
E quando o artigo 23º diz que todos os seres humanos têm
direito a igual remuneração por igual trabalho, isso inclui as mulheres, que no
Brasil continuam a ganhar muito menos do que os homens, com o mesmo nível de
educação.
O Brasil progrediu na defesa de alguns dos direitos contidos
na Declaração. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por exemplo, está tentando
concretizar o direito a uma audiência "justa e pública" ao
estabelecer que toda pessoa presa tem de ser conduzida à presença de um juiz
dentro de 24 horas da sua prisão. No entanto, apesar da determinação do CNJ,
mais da metade dos presos no Brasil definham em celas superlotadas, por até
meses antes de ver um juiz, segundo o próprio CNJ.
Outros direitos humanos de caráter universal enfrentam novas
ameaças no País. O artigo 14º reconhece o direito de qualquer pessoa de buscar
asilo em outros países, mas alguns políticos defendem o fechamento das nossas
fronteiras para os venezuelanos que fogem de um país em colapso, mesmo quando
escapam de perseguição.
O artigo 26º estabelece que a educação "deve ser
orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do
fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades
fundamentais". O projeto de lei "Escola sem Partido", atualmente
em discussão no Congresso Nacional, ao dispor sobre a proibição não apenas da
discussão, mas até mesmo do uso de termos como "gênero" e
"orientação sexual" nas salas de aula, é contraditório a esta
previsão.
A Declaração Universal em si não tem caráter vinculante, mas
hoje os princípios nela contidos refletem amplamente o direito internacional
consuetudinário a que todas as nações devem aderir, e foram posteriormente
incluídos em vários tratados que o Brasil tem obrigação legal de cumprir.
A violação dos direitos fundamentais em qualquer canto do
planeta corrói os princípios que nos protegem a todos do abuso e da tirania.
Dez anos após a adoção da Declaração, a ex-primeira-dama dos
Estados Unidos Eleanor Roosevelt, que presidiu a comissão que a elaborou,
perguntou em um discurso onde começam os direitos humanos universais. "Em
pequenos lugares", ela respondeu, "perto de casa - tão perto e tão
pequenos que eles não podem ser vistos em nenhum mapa do mundo". Isso era,
é claro, antes do Google Maps.
Mas seu ponto de vista faz total sentido. A Declaração
Universal é diferente de qualquer acordo internacional anterior, que lidou com
fronteiras, comércio ou outras relações entre países. A Declaração é sobre cada
ser humano.
A violação dos direitos fundamentais em qualquer canto do
planeta corrói os princípios que nos protegem a todos do abuso e da tirania. É
por isso que devemos valorizar e defender a Declaração que nos coloca, as
pessoas, no centro das relações internacionais.
*Maria Laura Canineu é diretora do escritório da Human
Rights Watch no Brasil e César Muñoz Acebes é pesquisador sênior.
Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do
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