Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 15 de setembro de 2025
Será que estamos vivendo hoje uma nova Weimar?
Está de volta a lógica da violência: a distinção entre amigos e inimigos. João Pereira Coutinho para a FSP:
Jair Bolsonaro conspirou para dar um golpe. O ativista Charlie Kirk foi assassinado por alguém que não suportava suas ideias. A violência política está de volta, mas não apenas a violência. O que também voltou foi a lógica que a sustenta, a distinção entre amigos e inimigos.
Começo pela distinção. Ela vem de Carl Schmitt, o famoso jurista do Terceiro Reich, no ensaio "O Conceito do Político", de 1927. Na economia, a distinção pode ser entre lucro e prejuízo; na ética, bem e mal; na estética, belo e feio.
Mas, quando se trata de política, dizia Schmitt, o dever principal é identificar quem representa uma ameaça existencial ao meu grupo —e, se o conflito for inevitável, neutralizá-lo. O liberalismo, com sua crença ingênua na discussão racional e no compromisso civilizado, seria incapaz de fazer essa distinção. E, portanto, incapaz de proteger a comunidade.
Não vale a pena gastar muito latim com a dicotomia de Schmitt. A própria história da Alemanha no século 20 mostrou o que acontece quando se troca "adversários" por "inimigos".
Schmitt deu sua contribuição para essa troca, ofereceu ao novo regime nazista a base legal e doutrinária de que precisava.
A "limpeza" do aparelho de Estado com a exclusão de judeus e opositores, o apoio à lei que deu a Hitler poderes legislativos ditatoriais, a justificativa dos assassinatos de rivais internos por Hitler —"um ato supremo de justiça", escreveu Schmitt sobre a Noite das Facas Longas— contaram com sua sabedoria.
Mais interessante é perguntar por que Schmitt reduziu a política à guerra. A resposta está numa palavra, Weimar, a república que substituiu a monarquia imperial alemã. Com sua fragmentação partidária extrema, governos frágeis e instáveis e uma crise econômica profunda, Weimar parecia pedir um soberano que governasse acima do Parlamento e da lei, transformando a exceção do "estado de exceção" na regra.
Será que vivemos hoje uma nova Weimar, a ponto de radicais de esquerda e de direita se verem numa batalha entre "amigos" e "inimigos"? Há quem ache que sim. Robert Kaplan, especialista americano em geopolítica, defende essa tese em seu livro mais recente, "Wasteland".
Segundo ele, vivemos hoje em crises permanentes —desigualdade, migrações, clima— e as instituições tradicionais já não estão dando conta do recado.
Pelo contrário. A fragmentação partidária —como em Weimar—, a existência de governos frágeis e incapazes —idem— e os níveis de desconfiança pública na democracia —ibidem— são agravados pela aceleração tecnológica do século 21, com informação instantânea e a amplificação imediata de mentiras, tensões e crises.
Quando há essa sensação de colapso iminente, como em Weimar, é inevitável que o primitivismo de amigos versus inimigos volte a colonizar mentes que são igualmente primitivas.
A defesa de estados de exceção, de líderes fortes e da eliminação dos "inimigos" nasce justamente dessa sensação de colapso.
O ensaio de Kaplan tem o mérito de captar o "espírito do tempo" que os novos Spenglers andam espalhando por aí. Mas a comparação com Weimar é tão forçada que, no limite, revela apenas como o próprio autor também se deixou dominar por um clima de filme de catástrofe.
Não tivemos nenhuma guerra mundial comparável à carnificina de 1914-1918. A democracia de hoje tem uma robustez institucional que não existia no pós-Guerra. As crises econômicas, embora reais, não têm a gravidade nem trazem o mesmo desamparo que a Alemanha pós-1918 —e pós-crash bolsista de 1929—sentiu na pele. Isso não significa que o liberalismo, que tanto horrorizava Carl Schmitt, não apresente problemas e limitações.
A excessiva concentração de riqueza, a precarização do trabalho trazida pela globalização, a diluição de valores comunitários que dão sentido à vida dos indivíduos —tudo isso é sério e merece reforma. Mas reforma não é revolução. Na luta "antifascista" de Tyler Robinson, que terá matado Charlie Kirk, e na conspiração de Bolsonaro contra o "comunismo" do PT, vemos a mesma desumanização do adversário que antecede a sua eliminação —real ou cogitada.
Só que, em ambos os casos, estamos falando de ficções políticas, não de realidades tangíveis. E talvez aqui esteja, ironicamente, o verdadeiro gosto de Weimar que Kaplan deixou passar.
A "conspiração judaica" e a "decadência cultural" que mobilizaram os nazistas estão hoje reencarnadas nas "elites globalistas" e nas "estruturas opressoras" que alimentam, respectivamente, a direita reacionária e a esquerda "woke". Enquanto continuarmos presos a essas fantasias, a violência política não terá fim.
Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com
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