terça-feira, 16 de setembro de 2025

Será que estamos vivendo hoje uma nova Weimar?

Artigo compartilhado do BLOG DO ORLANDO TAMBOSI, de 15 de setembro de 2025

Será que estamos vivendo hoje uma nova Weimar?

Está de volta a lógica da violência: a distinção entre amigos e inimigos. João Pereira Coutinho para a FSP:

Jair Bolsonaro conspirou para dar um golpe. O ativista Charlie Kirk foi assassinado por alguém que não suportava suas ideias. A violência política está de volta, mas não apenas a violência. O que também voltou foi a lógica que a sustenta, a distinção entre amigos e inimigos.

Começo pela distinção. Ela vem de Carl Schmitt, o famoso jurista do Terceiro Reich, no ensaio "O Conceito do Político", de 1927. Na economia, a distinção pode ser entre lucro e prejuízo; na ética, bem e mal; na estética, belo e feio.

Mas, quando se trata de política, dizia Schmitt, o dever principal é identificar quem representa uma ameaça existencial ao meu grupo —e, se o conflito for inevitável, neutralizá-lo. O liberalismo, com sua crença ingênua na discussão racional e no compromisso civilizado, seria incapaz de fazer essa distinção. E, portanto, incapaz de proteger a comunidade.

Não vale a pena gastar muito latim com a dicotomia de Schmitt. A própria história da Alemanha no século 20 mostrou o que acontece quando se troca "adversários" por "inimigos".

Schmitt deu sua contribuição para essa troca, ofereceu ao novo regime nazista a base legal e doutrinária de que precisava.

A "limpeza" do aparelho de Estado com a exclusão de judeus e opositores, o apoio à lei que deu a Hitler poderes legislativos ditatoriais, a justificativa dos assassinatos de rivais internos por Hitler —"um ato supremo de justiça", escreveu Schmitt sobre a Noite das Facas Longas— contaram com sua sabedoria.

Mais interessante é perguntar por que Schmitt reduziu a política à guerra. A resposta está numa palavra, Weimar, a república que substituiu a monarquia imperial alemã. Com sua fragmentação partidária extrema, governos frágeis e instáveis e uma crise econômica profunda, Weimar parecia pedir um soberano que governasse acima do Parlamento e da lei, transformando a exceção do "estado de exceção" na regra.

Será que vivemos hoje uma nova Weimar, a ponto de radicais de esquerda e de direita se verem numa batalha entre "amigos" e "inimigos"? Há quem ache que sim. Robert Kaplan, especialista americano em geopolítica, defende essa tese em seu livro mais recente, "Wasteland".

Segundo ele, vivemos hoje em crises permanentes —desigualdade, migrações, clima— e as instituições tradicionais já não estão dando conta do recado.

Pelo contrário. A fragmentação partidária —como em Weimar—, a existência de governos frágeis e incapazes —idem— e os níveis de desconfiança pública na democracia —ibidem— são agravados pela aceleração tecnológica do século 21, com informação instantânea e a amplificação imediata de mentiras, tensões e crises.

Quando há essa sensação de colapso iminente, como em Weimar, é inevitável que o primitivismo de amigos versus inimigos volte a colonizar mentes que são igualmente primitivas.

A defesa de estados de exceção, de líderes fortes e da eliminação dos "inimigos" nasce justamente dessa sensação de colapso.

O ensaio de Kaplan tem o mérito de captar o "espírito do tempo" que os novos Spenglers andam espalhando por aí. Mas a comparação com Weimar é tão forçada que, no limite, revela apenas como o próprio autor também se deixou dominar por um clima de filme de catástrofe.

Não tivemos nenhuma guerra mundial comparável à carnificina de 1914-1918. A democracia de hoje tem uma robustez institucional que não existia no pós-Guerra. As crises econômicas, embora reais, não têm a gravidade nem trazem o mesmo desamparo que a Alemanha pós-1918 —e pós-crash bolsista de 1929—sentiu na pele. Isso não significa que o liberalismo, que tanto horrorizava Carl Schmitt, não apresente problemas e limitações.

A excessiva concentração de riqueza, a precarização do trabalho trazida pela globalização, a diluição de valores comunitários que dão sentido à vida dos indivíduos —tudo isso é sério e merece reforma. Mas reforma não é revolução. Na luta "antifascista" de Tyler Robinson, que terá matado Charlie Kirk, e na conspiração de Bolsonaro contra o "comunismo" do PT, vemos a mesma desumanização do adversário que antecede a sua eliminação —real ou cogitada.

Só que, em ambos os casos, estamos falando de ficções políticas, não de realidades tangíveis. E talvez aqui esteja, ironicamente, o verdadeiro gosto de Weimar que Kaplan deixou passar.

A "conspiração judaica" e a "decadência cultural" que mobilizaram os nazistas estão hoje reencarnadas nas "elites globalistas" e nas "estruturas opressoras" que alimentam, respectivamente, a direita reacionária e a esquerda "woke". Enquanto continuarmos presos a essas fantasias, a violência política não terá fim.

Texto e imagem reproduzidos do blog: otambosi blogspot com

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